PAPA FRANCISCO E OS JUDEUS

Sob sua liderança em Buenos Aires, o Cardeal Jorge Bergoglio fez importantes caminhadas em sustentar positivas relações entre católicos e judeus seguindo os papados transformadores do Papa João Paulo II e Papa Bento XVI – pontífices que lançaram a reconciliação histórica entre a Igreja Católica e povo Judeu. O Cardeal Bergoglio sustentou um íntimo relacionamento com a comunidade Judaica na Argentina. Ele celebrou várias festas Judaicas com a comunidade Judaica Argentina.

O arcebispo de Buenos Aires e primaz da Argentina, cardeal Jorge Mario Bergoglio, participou em 08 de agosto de 2007 na sinagoga Benei Tikvá Slijot, de um ofício religioso com motivo do Ano Novo judaico (Rosh Hashaná), e explicou que «hoje, aqui nesta sinagoga, tomamos novamente consciência de ser povo a caminho e nos colocamos na presença de Deus. É um ato de andar para olhá-lo e de nos deixarmos olhar por Ele, para examinar nosso coração em Sua presença e perguntar se caminhamos bem. Também eu o faço, como caminhante, junto aos senhores, meus irmãos mais velhos».

Após utilizar várias vezes as palavras «fidelidade» e «ternura» para referir-se a «esse Senhor que é misericordioso e paciente», disse que «hoje seguramente encontraremos coisas que lamentamos e situações nas quais não caminhamos em Sua presença. O que se pede a nós é lealdade para reconhecer isso, mas principalmente que não nos escondamos na obscuridade da culpa e que coloquemos tudo sob o olhar de Deus fiel. E isso o fazemos com coragem e confiança, sabendo que Sua fidelidade implica infinita ternura, conscientes de que é Ele quem nos convida a nos aproximarmos para derramar essa fidelidade-ternura em abundante misericórdia».

Em 2010, durante uma comemoração do atentado contra uma Sinagoga de Buenos Aires em 1994, o Cardeal Bergoglio chamou-a de “uma casa de solidariedade” e acrescentou que “Deus os abençoe e os ajude a cumprir seu trabalho”, o que demonstrou sua dedicação e apoio em erguer-se contra o extremismo.

Em 2010, juntamente com o Rabino Argentino Abraham Skorka, publicou o livro “No Céu e na Terra” dirigindo assuntos de diálogo religioso. A sensibilidade do novo Papa aos Judeus emerge de seu trabalho em seus comentários sobre a aproximação da Igreja ao povo Judeu desde o Vaticano II, o Holocausto e o conflito Árabe-Israelense.

O Papa Francisco e os Judeus

Em um de seus primeiros atos como pontífice, o papa Francisco mandou em 14 de março uma mensagem à comunidade judaica de Roma, dizendo que espera ser capaz de contribuir para promover boas relações entre católicos e judeus.

O novo papa convidou o Rabino-chefe de Roma, Sr. Riccardo Di Segni, para sua missa inaugural no Vaticano: "No dia da minha eleição como Bispo de Roma e Pastor Universal da Igreja Católica, envio minhas cordiais saudações, anunciando-lhe que a solene abertura do meu pontificado será na terça-feira, 19 de março”, começa a mensagem papal: "Confiando na proteção do Altíssimo, espero vivamente poder contribuir para o progresso que as relações entre judeus e católicos conheceram a partir do Concílio Vaticano II, num espírito de renovada colaboração e a serviço de um mundo que possa estar cada vez mais em harmonia com a vontade do Criador”.

A carta do papa chegou à sede da Comunidade Judaica de Roma poucas horas depois da saudação que o mesmo Rabino-Chefe Riccardo Di Segni, havia desejado um bom pontificado a Jorge Bergoglio, conforme informou o site católico romano Zenit: “Expresso os melhores desejos a Jorge Mario Bergoglio eleito Papa Francisco. Que possa guiar com força e com sabedoria a Igreja Católica nos próximos anos. As relações da Igreja com a Comunidade Judaica de Roma e o diálogo com o judaísmo deram passos importantes. A esperança é que se possa continuar o caminho no sinal da continuidade e das boas relações”. [1]

Entrevistado pela Rádio Vaticano, Di Segni afirmou: "Partilhamos os sentimentos de nossos irmãos cristãos que agora têm um novo pontífice, ao qual desejamos força e sabedoria para desempenhar essa grande tarefa, por longos anos. Não conhecemos diretamente o Papa. Ele vem de uma terra distante para nós, mas das primeiras informações parece-me que foi um cardeal muito atento à relação de respeito com outras religiões e particular com o judaísmo. Então, isso nos dá a esperança de que tudo o que foi semeado de bom no passado, dê bons frutos. Acredito que existem premissas importantes”.

2) Conscientizar-se do Patrimônio Espiritual Comum 

Através do estudo das Porções Semanais da Palavra de Deus (Parashot – plural de cada Parasha em hebraico) lidas na Sinagoga no ciclo de um ano entrar em contato com a grande Tradição Oral de Israel a partir da literatura rabínica, dos sábios de Israel, os comentários a respeito da Torah Escrita, e ilustrada também através de uma seleção de Midrashim (plural de Midrash). 

Pe. Pierre Lenhardt, no seu livro “A Escuta de Israel, na Igreja”, ilumina a importância desse conhecimento melhor das fontes da literatura rabínica, da literatura e Tradições judaicas pois estas nos ajudarão a crescermos na real “identidade cristã que tem necessidade de se referir à identidade judaica, enquanto a identidade judaica não depende da identidade cristã”. [2]

Isso é comprovado quando o próprio Apóstolo Paulo de Tarso afirma aos cristãos vindo das nações pagãs: “Se a raiz é santa, os ramos também são santos. (...) Toma consciência de que não és tu que sustentas a raiz, mas é a raiz que te sustenta”.[3]

A Antiga Aliança não foi jamais revogada [4]

A Igreja ensina que “a Antiga Aliança não foi jamais revogada, anulada. Ela recusa aquilo que foi chamada de ‘a Teologia da Substituição’ e suas inumeráveis formulações que ela inspirou no decorrer dos séculos”.[5]

A Raiz Santa: A importância da Torah (Escrita e Oral) para a Vida da Igreja

A Torah transmitida a Moisés e recebida por Israel é recebida pela Igreja. Esta Torah que vem dos judeus, constitui o patrimônio comum no qual a Igreja recomenda pesquisar e estudar os seus elementos fundamentais.

“Embora a Torah se dirija principalmente aos filhos de Israel, ela contém diretrizes para todos os homens, de todos os credos. As leis rituais, relacionadas com a prática religiosa, constituem apenas uma parcela dos seus preceitos. Os mandamentos da Torah, suas regras e estatutos, abrangem todos os aspectos da vida e do comportamento humano, especialmente a ética e a moralidade. São leis "vivas" constantemente reinterpretadas e atualizadas em função do mundo contemporâneo. A Torah é a constituição do povo judeu. É o alicerce da fé judaica. É o que torna o judeu verdadeiramente judeu”.[6]

Jesus era judeu, nascido de mãe judia. Mais ainda, ele se considerava um judeu fiel às suas origens. Seus ensinamentos derivam das leis e das tradições judaicas com as quais ele se criou, e que ele jamais negou. Jesus era chamado de "Rabino" e freqüentava o Templo de Jerusalém, junto com seus discípulos.

A grande maioria dos católicos não tem consciência destes fatos, pois as divergências posteriores entre Igreja e Sinagoga resultaram num processo de esquecimento das origens judaicas do cristianismo.[7]

A Igreja de Cristo está enraizada na vida e no pensamento do Povo de Israel. Ela se sustenta nos ensinamentos judaicos dos patriarcas e profetas, reis e sacerdotes, escribas e rabinos. Jesus é o elo através do qual toda a cristandade passa a ser incluída como descendente de Abraão, e portanto co-herdeira, juntamente com os judeus, do seu grandioso legado espiritual.[8]

Jesus lê e explica as Escrituras, a Lei de Moisés, os Profetas e os Salmos (Cf. Lc 4,16; 24,44)

Judeus e cristãos têm em comum o TaNaK (Torah – O Pentateuco: Genesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio – Nebiím: Os Profetas – Ketubim – Os Escritos, Salmos, Provérvios e outros escritos), parte da Bíblia comumente chamada de Antigo Testamento. Seu valor é próprio e perpétuo e contém a Revelação do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó que é o Deus de Jesus Cristo, dos Apóstolos e da Igreja.

A Igreja primitiva só tinha esta Escritura Sagrada. O Novo Testamento veio em seguida. Por isso, o Antigo Testamento não pode ser considerado em oposição ao Novo Testamento.

A Bíblia toda é Revelação que convida ao Amor a Deus e ao próximo.
"Ouve ó Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor" (Dt 6,4; Mc 12,29)
A proclamação da unicidade de Deus é a fé originária de Israel. Jesus, em seus diálogos teológicos no evangelho, a indica como o primeiro de todos os mandamentos. O povo judeu vive desta verdade, a testemunha e a proclama todo dia com a sua existência.[9]

A Catequese e os ensinamentos da Igreja sobre os Judeus

A catequese foi sempre considerada pela Igreja como uma de suas tarefas prioritárias. Através da catequese, a Igreja transmite de modo orgânico os princípios da fé, sua tradição e a prática que deve acompanhar esta fé. Por isso, a catequese é também o meio privilegiado de preservar idéias e práticas tornando-as cada vez mais conformes com o evangelho.

A catequese é fonte de vida, partilha e comunicação das experiências de Deus, feita pelos homens e pelo povo de Deus através dos tempos que encontramos na Escritura e na Tradição. Não é um simples saber ou conhecimento do Novo Testamento. Trata-se da experiência, visão e espírito bíblico do Deus que se revela na história e que se dá a conhecer. A transmissão desta experiência de Deus na história coloca-nos diante do povo de Israel. Ela se faz através das Escrituras e do próprio povo judeu que nos deu Jesus Cristo.

Raízes e herança judaicas

As primeiras comunidades judeu-cristãs se formaram através de Jesus e de seu povo. Delas recebemos um patrimônio pelo qual nos tornamos responsáveis.

O Novo Testamento está profundamente marcado por suas relações com o Antigo Testamento. Um dos princípios orientadores da catequese é lembrar que o Antigo Testamento é primeiramente Escritura judaica, comum a judeus e cristãos.

Jesus, Maria e os primeiros discípulos eram judeus. Foram os primeiros a aceitar Jesus como Messias. Jesus nasceu, viveu e morreu como judeu.

O judaísmo no tempo de Jesus não era uma unidade homogênea, mas bastante complexa. O conhecimento dessa complexidade evitará a perpetuação de diversos preconceitos, estereótipos de espírito antijudaico. Perceber as divergências religiosas entre saduceus, zelotas, essênios, fariseus.

Aprofundar sobretudo o conhecimento do fariseu a partir da tradição judaica, e não somente da apresentação que se faz no Novo Testamento surgido num contexto polêmico. Descobrir a importância dos mestres judeus no tempo de Jesus, o seu respeito pela Escritura. A busca e a interpretação das mesmas Escrituras. 

Conhecer o Midrash e sua utilização pelos mestres, a tradição oral e o método pedagógico próprio do ensino nas sinagogas. Situar Jesus Mestre no contexto dos mestres de seu tempo, para melhor descobrir sua pedagogia e assim melhor transmitir sua mensagem.

Ressaltam-se a importância da sinagoga e seu lugar na vida judaica desde o tempo de Jesus, a liturgia sinagogal e as festas judaicas vividas por Jesus e pelo povo judeu hoje, o sábado e a santificação do tempo, as raízes da liturgia cristã radicadas na liturgia judaica. O judaísmo não terminou em 70 com a destruição do Templo! Foi o que pensaram os cristãos durante séculos. Os cristãos de hoje testemunham e convivem junto ao povo judeu e com o Estado de Israel.[10]


[1] Cf. www.zenit.org
[2] Pierre Lenhardt. À l’Écoute d’Israel, en Église (Tomo II). Paris, 2009. Éditions Parole et Silence. P: 5.
[3] Cf. Rm 11, 16.18.
[4] Papa João Paulo II, em 17 de novembro de 1980, citado na Comissão pelas Relações Religiosas com o Judaísmo. Notas para uma correta apresentação judaica e do judaísmo na pregação e na catequese da Igreja Católica. 24 de junho de 1985.
[5] Cf. Guia para o diálogo Católico-Judaico no Brasil, Estudos da CNBB – 46 – 1986. P: 6.
[6] Cf. Ibidem.P: 10
[7] Cf. Ibid. P: 16.
[8] Cf. Ibid. P: 17.
[9] Cf. Ibid. P: 18.
[10] Cf. Ibid. P: 41.