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Hoje, na Cúria Romana, existe um Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso e no âmbito do Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, uma Comissão para as Relações Religiosas com o Judaísmo. Embora a Comissão Especial instituída pelo Papa Paulo VI em 22 de outubro de 1974, esteja ligada em um nível funcional ao Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, é estruturalmente independente e responsável de acompanhar e promover o diálogo religioso com o judaísmo.

No primeiro ano de sua fundação, 1 de Dezembro de 1974, a Comissão publicou o seu primeiro documento oficial com o título "Orientações e sugestões para a implementação da Declaração conciliar Nostra Aetate”.

A preocupação principal deste trabalho é a de expressar a alta estima do judaísmo para o cristianismo, enfatizar a grande importância para a Igreja do diálogo com os judeus.

Procurou-se enfocar a natureza específica do diálogo com o judaísmo, refere-se à relação entre a liturgia cristã e liturgia judaica, a aproximação novas oportunidades os campos de ensino, educação e formação, e, finalmente, são feitas sugestões para a ação social comum.

Onze anos depois, em 24 de junho de 1985, a Comissão foi capaz de apresentar um segundo documento, intitulado "Notas sobre a correta apresentação dos judeus e do Judaísmo na pregação e na catequese na Igreja Católica". Este documento tem um maior e forte foco no campo da Teologia e da Exegese, na medida em que reflete sobre a relação entre o Antigo e o Novo Testamento, demonstra as raízes judaicas da fé cristã, observa as semelhanças na liturgia, especialmente nas grandes festas do ano litúrgico. Este trabalho enfoca como o judaísmo é tratado como assunto da pregação e da catequese na Igreja Católica. De particular interesse é o fato de que este documento refere-se também o estado de Israel, e suas opções políticas, eles devem ser considerados em uma perspectiva que não é em si religioso, mas refere-se aos princípios do direito internacional.

Durante sua visita à Sinagoga de Roma em 13 de Abril de 1986, o Papa João Paulo II expressa nestas palavras claras e impressionantes: "A religião judaica não é ‘extrínseca’, mas de alguma forma ela é ‘inerente’ a nossa religião, portanto, temos uma relação com os judeus, que nós não temos com qualquer outra religião. Vocês são nossos irmãos muito amados e, em certo sentido, pode-se dizer nossos irmãos mais velhos".

O terceiro documento e final da Comissão para as Relações Religiosas com os Judeus, foi apresentado ao público em 16 de março de 1998. Ele lida com o Holocausto, sob o título: “Nós recordamos: uma reflexão sobre o Shoah”.

O impulso principal para este texto veio do lado judaico. Ele realiza um julgamento duro considerando o saldo de 2000 anos de relações entre judeus e cristãos como bastante negativo, recorda a atitude dos cristãos frente ao anti-semitismo do nacional-socialismo alemão e se concentra no dever da responsabilidade dos cristãos para lembrar a catástrofe humana, sem precedentes na História, com a Shoah (literalmente Extermínio, Catástrofe).

Em uma carta, no início desta declaração, o Papa João Paulo II expressou a esperança de que este documento "realmente ajude a curar as feridas causadas por equívocos e injustiças do passado. Ele pôde permitir que a memória desempenhe o seu papel legítimo na construção de um futuro em que nunca mais a injustiça inominável do Holocausto possa ser possível novamente”.

Na série de documentos do Vaticano foi publicado pela Pontifícia Comissão Bíblica, 24 de maio de 2001, um texto volumoso que trata explicitamente do diálogo católico-judaico: "O povo judeu e suas Sagradas Escrituras na Bíblia cristã".

Este documento procura mostrar o rico tesouro de temas comuns no diáologo entre judeus e cristãos, que têm o seu fundamento nas Escrituras Sagradas do judaísmo e do cristianismo.

No prefácio, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o então cardeal Josef Ratzinger, defende "um novo respeito para a interpretação judaica do Antigo Testamento. O documento afirma duas coisas. Em primeiro lugar, que "a leitura judaica da Bíblia é possível, e que está em continuidade com as Escrituras Sagradas dos judeus do período do Segundo Templo, uma leitura análoga à leitura cristã, que foi desenvolvida em paralelo"(Cf. N° 22).

Em segundo lugar, acrescenta que os cristãos podem aprender muito com exegese judaica praticada por mais de 2000 anos, e, em troca, os cristãos podem esperar que os judeus também se beneficiem da investigação cristã da exegese (ibid.)."

O próprio Papa Bento XVI anos mais tarde ao visitar a Sinagoga de Roma faz uma brilhante síntese dos reais motivos de toda espécie de discriminação contra os judeus e contra a humanidade: “O passar do tempo nos permite reconhecer no século vinte uma época realmente trágica para a humanidade: guerras sangrentas que semearam destruição, morte e dor como nunca acontecera; ideologias terríveis que tiveram em sua raiz a idolatria do homem, da raça, do estado e que levaram uma vez mais o irmão a matar outro irmão. O drama singular e transtornador da Shoah representa, de certo modo, o vértice de um caminho de ódio que nasce quando o homem esquece o seu Criador e coloca a si mesmo como o centro do universo”.[1]

E o próprio Cardeal Kurt Koch faz um balanço atual da Declaração "Nostra Aetate": “A declaração permanece no seu empenho e no esforço essencial para o diálogo judaico-católico, e depois de 47 anos, podemos dizer com gratidão, que esta redefinição teológica da relação com o judaísmo trouxe bons frutos. Parece que, com relação ao conteúdo, os Padres do Concílio na época, consideraram quase tudo, pois tem sido importante na história deste diálogo. Do lado judeu, a Declaração sempre foi apontada como positiva, particularmente na sua posição inequívoca contra todas as formas de anti-semitismo. É sobre esta base, não menos importante, que os judeus mantêm a esperança e certeza de que eles têm na Igreja Católica, um aliado confiável na luta contra o anti-semitismo”.

Nas últimas décadas, o princípio fundamental do respeito para o judaísmo, expressa em "Nostra Aetate" permitiu que grupos que inicialmente se consideravam mutuamente com algum ceticismo, gradualmente se tornassem parceiros de confiança ou mesmo bons amigos, capazes de lidar com crises juntos e superar os conflitos de uma forma positiva.

Apresentamos a seguir alguns principais pensamentos e gestos históricos em favor do Diálogo entre judeus e cristão feitos pelos últimos três Papas: João Paulo II (1978-2005); Bento XVI (2005-20013) e Francisco (2013- ).

Papa João Paulo II e os Judeus

O Papa João Paulo II, no último dia de sua peregrinação a Israel foi ao Kotel (Muro das Lamentações), colocando, entre suas pedras milenares, a seguinte mensagem: "Deus de nossos pais, escolheste Abraão e seus descendentes para levar Teu nome às nações. Estamos profundamente tristes com o comportamento daqueles que, ao longo da História, fizeram sofrer esses Teus filhos..." (26/03/2000).

Foi ele o primeiro Pontífice a expressar o direito dos judeus de voltar à sua terra natal e, em 1993, promoveu o reatamento das relações diplomáticas entre Israel e a Santa Sé. O Pontífice disse: "Vim a Yad Vashem (nome do Museu em Israel) para render homenagem aos milhões de judeus que, privados de tudo e especialmente de sua dignidade humana, foram assassinados durante o Holocausto. Não há palavras fortes o suficiente para deplorar a terrível tragédia que foi a Shoá (literalmente – a Catástrofe). Asseguro ao povo judeu que a Igreja Católica está profundamente entristecida com o ódio, atos de perseguição e demonstrações de anti-semitismo dirigidos contra os judeus por cristãos, em qualquer tempo e em qualquer lugar".

Em 12 de março de 2000, o Papa Beato João Paulo II, pediu perdão em nome da Igreja Católica pela perseguição aos judeus durante os séculos anteriores e por dois mil anos de pecados cometidos em nome da instituição.

Quando um Papa foi pela primeira vez à Sinagoga de Roma

“Um evento histórico que mudou tudo. Foi um gesto simbólico muito importante”. Assim o Rabino da Comunidade judaica de Roma, Riccardo di Segni, comentou o 27° aniversário da primeira visita de um Papa à Sinagoga de Roma.

A histórica visita do Papa João Paulo II à Sinagoga de Roma, foi realizada em 13 de abril de 1986. O então Rabino, Elio Toaff, aguardava Karol Wojtyla na entrada da Sinagoga. Se abraçaram duas vezes, quando então o Papa chamou os judeus de ‘irmãos’. “Eu estava ali”, disse De Segni.

Mas o primeiro gesto ‘revolucionário’ com relação aos judeus foi dado pelo Papa Roncalli, antes ainda do Concílio Vaticano II. O ex-Rabino de Roma, Elio Toaf, escreveu na sua biografia: “Recordo quando em 1959 João XXIII fez parar na Av. Lungotevere o cortejo pontifício para abençoar os judeus que, como era sábado, saíam da Sinagoga. Foi um gesto que provocou entusiasmo em todos os presentes que circundavam seu automóvel, para aplaudi-lo e saudá-lo. Era a primeira vez que um Papa abençoava os judeus”, escreveu Toaff.

Alguns pensamentos centrais do discurso do Papa João Paulo II nesta visita à Sinagoga de Roma:
“Houve na verdade muitas situações históricas do passado, diferente dos tempos atuais, que foram amadurecendo ao longo dos séculos para a convivência boa e saudável da vida social, civil e religiosa no mundo, sempre alcançada com muita dificuldade, ou ainda em processo lento e doloroso para muitos países chegarem a tal nível de convivência.

A Igreja hoje reconhece, como no Decreto conhecido Nostra Aetate, número 04, dos documentos conciliares do Vaticano II, a indignação e o lamento contra o ódio, perseguições, manifestações de anti-semitismo dirigidos contra os judeus em qualquer tempo e por qualquer pessoa.

O povo judeu tem sua origem a partir de Abraão, que é o pai da nossa fé como expressou São Paulo de Tarso. Com o povo judeu a Igreja Católica tem vínculos de um patrimônio espiritual comum imenso. Portanto, temos uma relação com os judeus que não temos com qualquer outra religião.

Aos judeus não pode ser atribuída nenhuma culpa ancestral ou coletiva ao que foi feito na Paixão de Jesus. Não indiscriminadamente aos judeus daquela época, não para aqueles que vieram depois e não aos judeus de hoje.

Deus julgará a cada um conforme as suas obras, aos judeus e aos cristãos (Cf. Rm 2,6).

A Igreja declara não ser justo dizer que os judeus são repudiados ou amaldiçoados a partir de nenhuma conclusão a partir das Sagradas Escrituras ou a partir do Novo Testamento, já que a própria carta de São Paulo aos Romanos (Rm 11,28-29) e Constituição Dogmática Lumen Gentium (n° 6) afirmam que “os judeus são amados por Deus que os chamou com uma vocação irrevogável.

Essas afirmações são baseadas nas relações atuais entre os judeus e cristãos, pela ação pastoral dos últimos Papas, reafirmadas e proclamadas na Igreja o seu valor permanente. Estamos num caminho longo para que isso cada vez mais aconteça em cada nível de mentalidade, educação e comunicação.

O próprio Jesus, filho do povo judeu, de onde nasceu também a Virgem Maria, os apóstolos e a maioria dos membros da primeira comunidade cristã eram também judeus. O diálogo será sempre mais forte e sincero no respeito das convicções pessoais de ambos os lados, mas tendo sempre como base os elementos fundamentais da Revelação que temos em comum, como a ‘grande herança espiritual’. Devemos trabalhar sempre juntos para que a paz completa (Shalom) reine neste país e nos continentes do mundo inteiro”.

Em 12 de março de 2000, o Papa Beato João Paulo II, pediu perdão em nome da Igreja Católica pela perseguição aos judeus durante os séculos anteriores e por dois mil anos de pecados cometidos em nome da instituição.