A IMPORTÂNCIA DAS FONTES JUDAICAS PARA UM CRISTÃO Parte III A Torah Oral dos Fariseus

PIERRE LENHARDT, NDS[2] 

A IMPORTÂNCIA DAS FONTES JUDAICAS PARA UM CRISTÃO[2] (parte III) 

4. A Torá Oral e a Ressurreição[3] 

Partindo de minha fé cristã, eu observo o primeiro Evangelho recebido e transmitido por são Paulo; ele aí anuncia oralmente a ressurreição de Cristo no terceiro dia, segundo as Escrituras (1Cor 15,1-4). Este anúncio se apoia sobre uma crença judaica na ressurreição dos mortos. E sei igualmente pelo Novo Testamento ser os fariseus que professam a ressurreição, ao passo que os saduceus a negam (At 23,6-8). Para melhor compreender do que se trata, eu remonto analiticamente às fontes judaicas e noto que os fariseus ensinam a ressurreição dos mortos de duas maneiras. Eles a ensinam na oração, sem recorrer à Escritura, enquanto que, no Midrash e no Talmud, eles apoiam o seu ensinamento sobre a Escritura ou sobre a observação da natureza. Esta pedagogia decorre do valor que eles atribuem à tradição oral do seu povo. Eles recebem desta tradição a crença na ressurreição dos mortos e consideram que esta tradição é Palavra de Deus, Torá, sob o mesmo título de Escritura. Se a tradição oral é Torá, ela pode ensinar a ressurreição com ou sem o recurso da Escritura. Os fariseus ensinam a ressurreição sem recorrer à Escritura na oração litúrgica que confirmam e instituem.[4] Eles não querem impor ao povo, no momento da oração, recursos escriturários que são sempre discutíveis e que poderiam dificultar algumas pessoas. Em compensação, eles devem, fora da oração, apoiar a fé e a esperança na ressurreição através dos argumentos escriturários e não escriturários. Quanto aos argumentos escriturários, para quem “conhece as Escrituras e o poder de Deus, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”, dos quais a Escritura, fala não é o Deus dos mortos, mas o Deus dos vivos. Eu viso aqui o recurso escriturário proposto por Jesus nos Evangelhos sinóticos;[5] este recurso, com efeito, é da mesma linha como aqueles que os sábios de Israel fazem e consideram como aceitáveis.[6] O debate exposto pelo Talmud evidencia que estes recursos escriturários e, então, aquele de Jesus nos Evangelhos, não são provas, mas “alusões”, “indicações”. É evidente, para quem tem ouvidos para ouvir, que em matéria de fé e de amor as alusões são mais adequadas e convincentes que as provas. Observamos o que Lucas, o evangelista não judeu, anotou com precisão a partir de testemunhos judeus. Ele não diz: “Não tendes lido...” (Mt 22,31; Mc 12,26) mas: “Moisés a indicou na passagem da Sarça...” (Lc 20,37). Há aqui mais do que uma nuance: não se prova a ressurreição; o midrash judaico e a boa exegese cristã são feitos na fé para iluminar do interior. A ressurreição não pode ser recebida por aqueles que não se engajam na vida e na coerência de uma Palavra de Deus, oral e escrita, que só fala da vida e da ressurreição. A coerência e a perfeição da Torá não permitem pensar que haja uma só passagem da Torá escrita que não ensine a ressurreição. Porém não temos a força de tirar este ensinamento por nossa exegese.[7] É ainda Lucas que melhor ‘captou’ a substância ou cerne do midrash farisiano que Jesus fez ouvir em conhecimento de causa (Lc 20,38): é a experiência do Deus da vida que faz com que se viva para ele além da morte. Isto se une aos recursos não escriturários que os sábios de Israel igualmente propõem.[8] Estes recursos, como aquele da mãe dos mártires de Israel, fazem apelo à evidência da vida, muito mais forte que a evidência da morte.[9] Semelhante contexto, dramático como a vida e a morte, faz compreender a severidade da Tradição que, na Mishná, ameaça “aquele que diz que não há ressurreição dos mortos”.[10] Segundo esta Mishná, aquele que diz isto “não terá parte no mundo a vir (na ressurreição)”. O Talmud que se surpreende com esta severidade e a discute, mostra claramente que não se trata de uma condenação, mas de uma ameaça pedagógoca.[11] Aquele que não quer a vida, que não se engaja na comunidade ao serviço da vida, corre o risco de não receber o que não o interessa. É preciso adverti-lo.

A frequentação das fontes judaicas é benfazeja; ela sustenta a fé cristã na ressurreição; ela permite compreender o gênero literário das ameaças pedagógicas frequentes no ensinamento de Jesus, por exemplo, aquela de Mc 16,15-16. Estas “ameaças”, quando são mal interpretadas, na ignorância fundamentalista do seu contexto judaico, puderam e podem ainda fazer mal a alguns cristãos; elas podem ainda aqui e lá desacreditar a pregação cristã.

O vai e vem empreendido a partir da ressurreição de Jesus Cristo, central para a fé cristã, permite também constatar que a ressurreição não tem uma importância tão central para os judeus. De fato, o elo fundamental que existe entre a Torá oral e ressurreição é talvez melhor percebido por um cristão do que por um judeu. O testemunho cristão sobre a ressurreição de Jesus Cristo, esclarecido do interior pela Tradição de Israel, não poderia estimular uma melhor reflexão aos judeus sobre a ressurreição que eles anunciam ao menos três vezes por dia em sua oração?