Adin Steinsaltz

Rabbi Adin Even Yisrael Steinsaltz (1937-2020)

Irmão Elio Passeto, NDS

O mundo judeu perdeu um dos nomes mais proeminentes do judaísmo hoje, Rabi Adin Even Yisrael Steinsaltz. Deixou como legado uma obra colossal na qual aborda o judaísmo religioso em suas várias dimensões. Ele escreveu mais de 60 livros no campo da tradição religiosa de Israel com relação à educação, instrução, treinamento e interpretação.

O Presidente do Estado de Israel, Rubens Revlin, prestou sua última homenagem a Steinsaltz com as seguintes palavras: “[...] um homem de coragem espiritual, profundidade de espírito e profundidade de pensamento. Ele mergulhou nas profundezas dos tesouros espirituais das pérolas do povo de Israel e tornou o Talmude acessível ao povo de Israel em hebraico límpido e claro, como era Rashi em seus dias. Ele não hesitou em seguir seu próprio caminho em total dedicação à Torah de Israel e ao povo de Israel ”. (Yedioth Ahronoth 9.8.2020 (heb.)

Vale lembrar que essa comparação com o grande sábio Rashi (1045-1105) faz de Steinsaltz o mais expoente do judaísmo da atualidade. Esta atribuição a Steinsaltz comparando-o a Rashi por sua influência no judaísmo ao longo de sua vida através de seus ensinamentos e sua obra, não foi dada a ele no momento de sua morte, mas vem de algumas décadas, evidenciada pelos inúmeros prêmios recebidos tanto em Israel e no exterior. Rashi comentou praticamente todo o Talmud e toda a Bíblia, aplicando seu método 'Peshat', dando o significado direto, simples, literal e óbvio do texto. Seu método virou escola e foi um divisor de águas no judaísmo, existe um antes e um depois de Rashi. Seu comentário, a atualização da tradição oral de Israel, por meio de seu gênio, fez com que o “Talmud Tora” renascesse com força e clareza em todas as camadas do povo judeu ao longo da história, até os dias atuais. Ele é uma fonte obrigatória para a compreensão do Talmud, o mais sábio e o iniciante encontram no comentário de Rashi uma ferramenta indispensável para a compreensão do texto da Bíblia e do Talmud.

Da mesma forma, para o nosso tempo, a obra de Steinsaltz foi uma fonte de renovação interna para o judaísmo. Sua tradução do Talmud, do aramaico para o hebraico moderno, e seu comentário explicativo sobre expressões, frases, suguiot (cada capítulo do Talmud pode ser dividido em unidades de sentido ou sub temas que as as suguiot – plural de suguia)..., tornaram esta fonte maior da alma judaica acessível e atraente para todo o judaísmo, mesmo indo além das fronteiras do judaísmo, sendo a porta de entrada para não judeus que procuram sinceramente se aproximar da tradição oral de Israel.

Steinsaltz fundou vários centros de estudo do Talmud Tora em Israel e no exterior. Sua obra colossal foi traduzida para o inglês, russo e francês, tornando mais fácil para essas comunidades judaicas entender sua própria tradição. Longe de promover a vulgarização do conhecimento judaico, seu trabalho busca aliviar as dificuldades que impedem ou desencorajam o ‘Talmid’ (aluno) de avançar na descoberta do tesouro que é ‘Talmud Torah’. No árduo esforço de mergulhar no oceano do conhecimento da tradição judaica, às vezes corre-se o risco de perder um tempo precioso em dificuldades técnicas ou linguísticas e pouco tempo sobra para aprofundar e revelar o novo do texto (Hidush). Para aqueles que não vêm do mundo de Yeshivot, o Talmud é um livro fechado. Além de o texto ser em aramaico, pressupõe o conhecimento da oralidade que decifra os enunciados e explica as discussões (mahloket) que o compõem. Steinsaltz, ao traduzir o Talmud para o hebraico moderno, dando explicações adequadas a cada situação, também esclarece o mecanismo e a dinâmica que constituem o texto, proporcionando assim os meios de acesso à linguagem do texto.

O rabino Steinsaltz era um homem de mente aberta, ele vivia sem contradição com o moderno. Ele era um judeu ortodoxo, dedicou sua vida inteiramente ao estudo e ensino da Torah, por outro lado não temia o mundo não religioso, não via barreira de separação entre essas duas realidades. Portanto, centenas e milhares de judeus entraram em contato com a tradição religiosa judaica através do contato pessoal com ele ou por meio de suas obras. A revista Time, de 2001, já o definiu como o homem do milênio. Justificando que alguém com a extraordinária capacidade de renovar e inovar o Judaísmo por dentro acontece a cada 1000 anos e Steinsaltz renovou, sem cancelar ou substituir nada da Tradição recebida, ele a enriqueceu e atualizou, por isso foi considerado o homem do milênio [1].

Além de sua grande sabedoria (Talmid Hacham), por ter dominado sua tradição, de ser um judeu observante, Steinsaltz foi reconhecido por sua abertura de espírito, por saber conviver perfeitamente com a complexidade do mundo moderno e, acima de tudo, por sua simplicidade e modéstia. Um homem justo (Tzadik) de sua geração. Sua existência foi um enriquecimento para o Judaísmo de sua época e para o futuro assim como para o mundo cristão que busca compreender melhor sua própria identidade de fé que está ontologicamente ligado ao povo judeu e ao Judaísmo, beneficiados de seus ensinamentos e seu trabalho deixado.

O comentário do Talmud sobre o Salmo 112 pode ser aplicado a ele, que diz: “Feliz o homem que teme ao Senhor, que se deleita muito nos seus mandamentos. Sua posteridade será poderosa na Terra; a geração dos retos será abençoada (Sl 112: 1-2). "Ele se deleita muito em Suas mitzvot." Rabino Elazar diz: A pessoa se deleita em suas próprias mitzvot e não na recompensa por cumprir Suas mitzvot. E isso é o mesmo que aprendemos em uma Mishna (Avot 1: 3): Antígono de Sokho diria: Não seja como os servos que servem ao senhor com a condição de receber uma recompensa; em vez disso, seja como os servos que servem ao mestre, sem a condição de que recebam uma recompensa (tb Avoda Zara 10a).

Servir sem esperar recompensa, deleitar-se, para que a Palavra de Deus cresça no mundo (jardim) e se torne uma árvore frondosa. O Talmud Tora em todas as suas dimensões. Confirme suas próprias palavras no seguinte texto, retirado da revista Time of Israel:

“Vou lhes contar uma última história, no meu jardim, anos atrás, plantei dois ciprestes. Um foi roubado e o outro era um pequeno cipreste cuja cabeça foi cortada. Eu simplesmente tive misericórdia dele, peguei sua cabeça e colei-a no tronco ainda fresco. Eu não fiz mais nada. Eu o deixei crescer, esperava que a fissura sarasse. Hoje, aquele cipreste tem quase três metros de altura, uma árvore poderosa! Isso é o que eu gostaria de ter feito, plantar um pequeno cipreste, mesmo que fosse cortado, que se transformasse em uma grande árvore. ”[2]


(Foto: The Steinsaltz Center)

[1] Cf.(http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,148438,00.html) .

[2] Cf. (https://www.timesofisrael.com/rabbi-adin-steinsaltz-who-made-the-talmud-accessible-dies-at-83/)

Instituto Ratisbonne
26 Shmuel Ha-Naguid, Jerusalém
Israel - Brasil
Irmão Elio Passeto, NDS