Parasha KI TAVO Dt 26 1 29 8


CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS

Estudo da Parasha da Semana - Cristãos estudando as fontes judaicas - KI TAVO – Dt 26,1 – 29,8
Você não os viu? 
Rabbi Dr. Tzvi Hersh Weinreb – Discovering the Human Element in the Weekly Torah Portion.
New York: OUPRESS – Maggid, 2016,p. 583 - 586

 

Você não os viu?

Essa é uma questão que eu aprendi a nunca fazer. Eu aprendi logo essa lição em meu treinamento como psicoterapeuta há muito tempo atrás. Eu atendia um senhor por causa de um certo número de problemas, incluindo suas dificuldades no matrimônio. Apesar do passar dos anos, eu ainda me lembro vividamente a tarde em que esse homem veio ao meu consultório extremamente perturbado. Ele não podia mais conter sua dor, nem mesmo por um momento. Antes dele sentar-se diante de mim, ele disparou a frase: “Ela está me traindo!

Ele tinha descoberto de forma inegável a evidência da infidelidade de sua mulher. Ele prosseguiu em contar as pistas que há mais de um ano estava percebendo. Cartas, mensagens ao telefone, ausências inexplicáveis, gastos anormais em sua conta conjunta e ele tinha consciência de todas essas evidências. Mesmo assim, foi então somente naquela manhã que ele na verdade viu o que estava na frente de seus olhos todo o tempo.

Estranhamente, e eu somente tempos depois aprendi isso, ele claramente nada dizia sobre essas pistas e rastros comigo durante todo o tempo de nossas numerosíssimas sessões antes do dia da grandíssima “descoberta”.

Eu era um psicoterapeuta calouro então e eu não pude deixar de exclamar minha reação com a questão, “Você não tinha percebido isso? Você não notou que isso estava bem diante de seus olhos?”

Eu estava preparado para suas lágrimas, mas não pela sua furiosa resposta: “É claro que eu via isso, seu tonto!” Ele estava furioso comigo pela minha total falta de empatia. Ele claramente via o que estava acontecendo, mas ele não queria ver isso.

Alguém só vê o que deseja ver, e não vê o que não quer ver, mesmo que seja uma fragrante e óbvia realidade.

A lição que eu aprendi desta troca não estava limitada para o campo do aconselhamento matrimonial. É uma lição da qual tentei lembrar-me sempre através da minha vida pessoal, profissional e religiosa daquele momento em diante. Eu aprendi que toda a evidência no mundo não vai convencer quem prefere ser cego para as evidências. Todos os argumentos no mundo, não importa quão racionais e poderosos eles sejam, não podem persuadir uma pessoa que esteja agarrada a suas crenças prediletas e quem não esteja aberta para a lógica e a razão.

Na verdade, eu deveria ter aprendido essa lição muito tempo atrás quando embarquei numa carreira em psicologia. Eu deveria ter aprendido isso desde quando pela primeira vez estudei a Parashat Ki Tavo (Dt 26,1 – 29,8). Eu deveria ter levado mais a sério o que diz a seguinte passagem:

“Moisés convocou todo o Israel e disse: ‘Tendes visto tudo o que a vossos olhos o SENHOR fez no Egito ao faraó, a todos os seus servidores e a todo o seu país; as grandiosas provas que teus olhos viram, os grandes sinais e prodígios. Até hoje, porém, o SENHOR ainda não vos deu um coração que entenda, olhos que vejam e ouvidos que escutem.’”

Parafraseando: “Você viu, mas você não viu. Você escutou, mas não escutou. Tudo o que você precisava saber esta diante de você, mas você não tinha cabeça para entender”.

E no mesmo tempo que estava sentado diante daquele marido traído que se esforçava tão empenhadamente para não ver o que estava tão aparente para ele, eu estava iniciando a leitura dos escritos de um grande rabbi de Israel, que tinha morrido tragicamente muito jovem, quase há 50 anos atrás. Seu nome era Elimelech Bar-Shaul, e que teve postumamente publicada uma coleção de seus escritos em porções da Torah semanal.

O nome dessa coleção era Min haBe’er (Do Poço), que é um título muito bem aplicado para um livro cheio de insights elaborados a partir das mais profundas fontes de nossa fé. Rabbi Bar Shaul reflete bem sobre esses versos no que diz respeito sobre o fenômeno da cegueira e da surdez diante das visões e sons ao nosso redor. Deixe-me partilhar algumas de suas reflexões com você.

Existe um magnífico ensinamento aqui nesses versículos para todas as gerações e todas as situações. Uma pessoa pode ver coisas maravilhosas, verdadeiras revelações, e mesmo assim, paradoxalmente, não ver nada... O Todo-Poderoso deu a pessoa olhos para ver e ouvidos para ouvir e um coração para entender, mas é a pessoa que deve escolher ver, escolher ouvir, escolher entender. É a própria pessoa que deve abrir seus olhos bem para ver, e mesmo que ele não possa ver ele também deve abrir seu coração para entender. Pois se uma pessoa apenas vê com seus olhos sozinha, ela pode reagir emocionalmente. Mas enquanto ela não dirigir sua mente para aquilo que ela viu, sua reação emocional vai carecer de entendimento e compreensão. Não é para termos pensamentos críticos em relação aos nossos antepassados que falharam naquilo que deviam ter visto. Mas a Torah nos está dando uma orientação e um sinal de aviso. Quando Moisés diz ao povo: “Tendes visto..., mas ainda não vos foi dado um coração que entenda, olhos que vejam e ouvidos que escutem”, ele está nos chamando, hoje, para pensar mais profundamente e melhor sobre essas palavras e aplica-las para nossas pessoais circunstâncias.

Muitas vezes em nossa história nós deixamos de ver fatos que eram aparentes e claros para os que tinham entendimento em seus corações. De um modo mais trágico, muitos de nós que leram sobre os acontecimentos que conduziram ao Holocausto também nos perguntamos, “Eles não estavam vendo o que estava acontecendo?” Nossos inimigos não nos advertiam claramente sobre as suas intenções para nos destruir? Onde os sinais não eram tão suficientemente óbvios? Por que somente tão poucos se aproveitaram das oportunidades para escapar tantos anos antes que o escapar se tornasse impossível?

Essas perguntas nos assombram hoje e irão continuar a assombrar para sempre. Talvez, essas questões estejam além da nossa capacidade. Eles estão sobre as nossas cabeças. Mas o que afinal nós podemos aprender, em situações menos trágicas e terríveis, é fazer o máximo que pudermos para entender o que o Todo-Poderoso permitiu-nos ver.

Deus permitiu ao mundo ver o surgimento do Estado de Israel. Devíamos aprender seu significado. Deus permitiu-nos ouvir as vozes de crianças estudando Sua Palavra de Deus. Nossos corações deveriam celebrar essas conquistas.

Deus permitiu-nos ver esses sinais e ouvir esses sons. Devemos abrir nossas mentes e corações, não apenas ver e ouvi-los, mas entende-los, apreciá-los e crescer a partir deles. Não podemos permitir que esses abençoados sinais sejam ignorados. E que outras pessoas não sejam capazes de nos perguntar um dia: “Como você pôde não ter enxergado esses sinais? Como você pôde não ter escutado esses sinais?”
Cf. Lc 10,24 e Jonas 4,10.11.

Procurar identificar o que muitos gostariam de ver e não viram, e o que Jonas não viu (ou será que viu) no final da sua relação com Deus no livro de Jonas.
Que outras questões surgiram a partir da leitura desses textos? Lembre-se, às vezes as perguntas que fazemos são mais importantes que as respostas que encontramos.