CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS - Estudo da Parashá da Semana – Cristãos estudando as fontes judaicas
PARASHAT VEZOT HABERAKHA Dt 33,1 – 34,12
Rabbi Adin Even  -Israel Steinsaltz Talks on the Parasha. Jerusalem: Shefa Maggid Books, 2015, p. 430 - 435

Vezot Haberakha

AS BÊNÇÃOS DE MOISÉS E AS BÊNÇÃOS DE JACÓ

Parashat Vezot HaBerakha tem dois objetivos: a benção que Moisés proferiu para Israel antes da sua morte e o relato da sua morte.

A bênção de Moisés para Israel quase que nos obriga a comparar com outra bênção correspondente em Gênesis 49, a bênção que Jacó proferiu sobre seus filhos antes da sua morte. Essas duas bênçãos não são apenas as palavras de partida de um líder antes da sua morte; elas contém no entanto um aspecto de guia e de profecia.

A principal diferença entre as bênçãos é que a benção de Jacó refere-se a todas as tribos, enquanto a bênção de Moisés pula no mínimo uma tribo – a tribo de Simeão.

A razão para isso é que a bênção de Jacó é fundamentalmente dirigida para os seus filhos, e como ele teve doze filhos, cada um merece atenção. Na bênção de Moisés, contudo, este não é o caso. Embora ele se dirija a situações existentes baseadas na divisão tribal, ele tem diante de si outra estrutura importante: o Povo de Israel. De fato, uma considerável parte da bênção de Moisés – sobretudo no início e no fim – não é dirigida para alguma tribo individual mas para o Povo de Israel enquanto uma nação, na qual a divisão das tribos, apesar do seu significado, vai se tornando sempre menos relevante.

Outra diferença entre as bênçãos é o sua entonação. Embora a bênção de Jacó é bênção da partida de um pai para os seus filhos, Jacó diz, desde o início que ele dirá sobre seus filhos não o que eles são agora, mas como profecias sobre eles diante de acontecimentos futuros. De modo contrário, na bênção de Moisés, ainda que existam também alusões e referências aos acontecimentos futuros, o foco principal está nas tribos como elas são no presente, não no futuro. Em resumo, a bênção de Moisés é composta somente de palavras de bênção, enquanto a bênção de Jacó contém palavras de reprovação e de profecia também.

Jacó, ao lado das profecias para o futuro e das palavras de louvor para alguns dos seus filhos, não poupa a seus três primeiros filhos duras palavras de reprovação pelo seu passado de erros e pecados. Ao contrário, na Bênção de Moisés, não existe palavra alguma de condenação.

A razão para isso é a de que Moisés não é o pai das tribos; ele não pode agir como Jacó, que, diante da partida deste mundo, poderia comentar sobre os pecados dos seus filhos. Assim sendo, Moisés não menciona nunca os pecados deles.

Embora seja razoável assumir que essa omissão da tribo de Simeão não foi acidental mas um julgamento de valor sobre a tribo, Moisés nem toca no assunto. Além disso, embora a Torah não fale sobre isso inteiramente, a maior parte envolvida nesse pecado de Israel em Shitim eram da tribo de Simeão. Uma pista para isso pode ser percebida pela morte de um dos príncipes da tribo por Pinchas, e outra indicação surge do censo final tomado por Israel no deserto, no qual a única tribo cujo número diminuiu drasticamente é Simeão (Nm 26,14). Essa baixa de números corresponde aproximadamente por causa do número daqueles que morreram ou foram mortos após o pecado de Shitim. Contudo, Moisés não censura a tribo, mas simplesmente não a menciona, ou como vários comentadores sugerem, sutilmente a inclui na tribo de Judá.

Moisés e Josué

Além desses contextos diferentes, seja na natureza de um oferecendo a bênção ou no objetivo da bênção, existem diferentes no tratamento das tribos também.
Como na bênção de Jacó, a bênção de Moisés apresenta Judah e José de forma proeminente. Essas duas tribos desempenham papéis importantes, não somente no presente, mas também no futuro do Povo Judeu. Contudo, enquanto a bênção profética de Jacó narra ambos na sua personalidade individual e o futuro distante, dando igual tratamento a Judá e a José, a bênção de Moisés sobre José é maior e mais detalhada do que a bênção de Judah. Aqui igualmente, como na bênção de Jacó, os dois filhos de José, Efraim e Manassés são abençoados de maneira independente.

Embora os comentadores não tenham discutido o assunto de forma compreensível, a extraordinária ênfase sobre as tribos de José na bênção de Moisés não é uma visão para as gerações futuras. De fato, sobre as gerações, a posição e o significado da tribo de Judah tem sido muito mais centrais do que qualquer outra tribo, inclusive as tribos de José. Aqui, na bênção de Moisés atenção principal está no presente e no futuro imediato, e está provavelmente conectado com Josué.
Josué não era apenas um membro da tribo de José, ele tinha uma conexão familiar com a tribo da liderança (1Cr 7,26-27). Por esta razão , Moisés dá uma atenção especial para a tribo que está mais próxima e conectada com ele, a tribo do seu braço direito Josué.

Embora na bênção em si mesma não aparecer o nome de Josué, no final da parashot seu personagem cresce em importância, pois Josué cumpre o complicado e difícil papel de tomar sobre si a liderança de Israel após Moisés.

Quem quer que seja que se coloque no lugar de uma personalidade gigante irá inevitavelmente sofrer por causa da comparação, mesmo que seja um seu discípulo ou um filho seu. De fato, na História Judaica através das gerações, vemos como o povo que assumindo seus próprios méritos, eram indivíduos extremamente exaltados, mas não alcançaram a importância que mereciam porque seus antepassados eram tão grandes que ninguém poderia substituir adequadamente.

O Talmud afirma isso claramente quando afirma sobre Josué: “O semblante de Moisés era como o do sol; o semblante de Josué era como o da lua” (Bava Batra 75a). Apesar da lua ser uma grande estrela que ilumina também, sua luz e intensidade não podem ser comparadas àquela do sol.

Um incidente histórico menor é o caso de Rabbi Abraão filho de Maimônides, cujas conquistas foram ofuscadas por causa das conquistas de seu grande pai. Se Rabi Abraão tivesse vivido noutro contexto, certamente ele teria recebido maior atenção como um dos maiores líderes da Torah da sua geração.

Além de substituir a Moisés, Josué também tinha recebido a responsabilidade de conquistar a terra de Israel. Uma referência quase direta para essa importante tarefa aparece na bênção de Moisés a José: “O primogênito de seu boi lhe é majestoso, seus chifres são chifres de búfalo: com eles golpeia povos inteiros até as extremidades da terra!” (Dt 33,17)

Muitos interpretam que o tratamento especial dado à tribo de Gad, o mais longo na bênção é desproporcional à importância história da tribo, mas isso se deve à própria personalidade de Moisés. Quando Jacó abençoe seus filhos, ele está certamente consciente que está se dirigindo às tribos de Israel, mas suas bênçãos ainda contêm traços pessoais. A bênção de Moisés, ao contrário, está dirigida ao povo inteiro, e por isso não há espaço para um elemento pessoal. No entanto, Moisés parece conceder à tribo de Gad uma especial bênção porque ele sabe que seu local de morte estará dentro do território a eles concedido. Como ele diz: “pois lá, a parte onde está sepultado o grande legislador, está oculto” (cf. Rashi, Dt 33,21)

Simeão e Levi

A maior diferença entre a bênção de Jacó e a bênção de Moisés é como elas se dirigem à tribo de Levi.

Levi o homem, o filho de Jacó, recebe do seu pai palavras sejam de reprovação e uma previsão fraca do seu futuro como disperso e espalhado, sem deter-se em ponto específico de assentamento na Terra de Israel (Gn 49,7).

Ao contrário, a bênção de Moisés apresenta à tribo de Levi uma redefinição e uma retificação. Mudando seus caminhos, os Levitas tem a habilidade para ganhar uma nova consciência, na qual não somente pode retificar faltas passadas mas também podem transformá-las de más para boas.

Além disso, a tribo de Levi recebe uma longa e detalhada bênção que narra o status especial da tribo, o qual não somente foi feito pela escolha de Deus, mas também pela consequência dos seus feitos. Durante os anos do deserto, a tribo de Levi se distingui a si mesma como uma tribo de pessoas leais, como a guarda pessoal do Santuário e do sagrado. Nesta consideração, a ordem de Deus e Sua escolha sobre a tribo de Levi vieram como um resultado da completa devoção e fé dos membros da tribo para com Deus e Sua Torah.

O Midrash nota que a bênção de Jacó sobre Simeão e Levi. “Eu irei dispersá-los em Jacó e espalhá-los em Israel” teve diferentes significados ao longo das gerações (Genesis Rabba 99,6). A tribo de Simeão, juntamente com o seu território, estava absorvida quase inteiramente pela vizinhança das tribos ao longo da história, e está espalhada através de toda a Bíblia Hebraica (Tanak). A profecia de Jacó estava cumprida, também em consideração a Levi, somente quando foi assumida numa forma diferente: embora a Levi não tenha sido dada porção alguma ou herança, “Deus é sua herança” (Dt 10,9).

Aqui a bênção de Levi traz consigo uma mensagem importante, a qual se torna especialmente clara quando comparada à benção de Jacó. Aparentemente o destino de uma pessoa ou de uma comunidade inteira é predeterminado e não pode ser mudado. Mesmo após numerosos esforços e mudanças de direção, o esboço geral da vida permanece inalterado. Contudo, existem caminhos nos quais mudanças internas, teshuva, e boas ações podem dar um novo aspecto a um destino predeterminado. Mesmo que exista um certo plano que não possa ser mudado fundamentalmente, pode no entanto, cada pessoa ter o poder de mudar o significado desse plano.

De forma semelhante, os Sábios de Israel dizem que cada recém nascido tem, desde o início da sua existência, contornos que determinam suas características, suas realizações, e até mesmo a natureza da sua vida pessoal, ainda que ele tenha a liberdade de mudar tudo isso (Nidda 16b). Isso não contradiz o que foi dito antes, antes muda o seu significado.

A partida de Moisés

No final da parasha, a descrição da Torah sobre a morte de Moisés é um tanto obscura. Por um lado, Deus cumpre Sua promessa para com Moisés e mostra a ele a Terra de Israel. Os Sábios de Israel explicam que Ele mostra a Moisés não somente a geografia da Terra de Israel mas tudo o que está destinado a acontecer lá (Mekhilta, Beshallah 2). Moisés olha e vê não somente as montanhas e o mar mas também a história, seus momentos gloriosos e sua majestade como também suas dores e sua desolação.

No entanto, como Moisés morre sozinho, sua morte é, sob muitos aspectos, um mistério. Do ponto de vista de Israel, Moisés não morre; ele retorna para seu próprio plano de existência. Moisés é descrito como “um peixe que deixa o mar e caminha na terra seca” (cf. Zohar, Balak 187-188), significando que embora ele tenha caminhado e vivido sua vida com nossa realidade, ele pertence e existe num mundo inteiramente diferente. Por esta razão, Maimônides, que era um grande admirador de Moisés, escreve na introdução do seu Comentário sobre a Mishná, “Isto foi a sua morte para nós, já que ele estava perdido para nós, mas (foi) vida para ele, no que ele foi elevado para Ele.

Como (nossos sábios), a paz esteja sobre eles, disse, Moisés nosso Mestre não morreu; antes, ele subiu e está servindo nas alturas” (Sota 13b)”. Moisés morre somente do ponto de referência da sua ausência deste mundo, o mundo dos seres humanos, mas não no sentido de chegar a um fim.

A Torah implica que Moisés foi queimado por Deus mesmo; consequentemente, o acontecimento da morte de Moisés foi um evento sobrenatural. Além disso, lemos em Pirkei Avot que a queimação de Moisés “é uma das criações físicas que não pertencem totalmente ao mundo material (5,6).

Vemos então que a morte de Moisés não foi uma consequência da deterioração e ruína do seu corpo, pois “seus olhos não tinham perdido a força e seu vigor não tinha diminuído” (Dt 34,7). Portanto, a morte de Moisés foi meramente um “partida” – histalkut, no léxico da Kabbala: uma elevação, uma subida.

O grande resumo considerando a Moises e o trabalho da sua vida levanta aqui o que Maimônides considera como um dos maiores princípios da fé judaica: que a profecia de Moisés é a mais alta profecia de todos; que não houve e nem haverá outro como Moisés. Cuja profecia é a última palavra, a somatória final da Palavra de Deus para o mundo.

É certamente apropriado concluir o livro com as seguintes misteriosas palavras, as quais não teríamos acreditado se os Sábios de Israel não as tivessem pronunciado: “Qual é o significado dessa expressão – ‘Moisés, o homem de Deus’” (Dt 33,1)? Do meio do seu corpo para baixo, ele era um homem; do meio para cima, ele era de Deus” (Deuteronomy Rabba 11,4).