CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS

Estudo da Parasha da Semana - Cristãos estudando as fontes judaicas 
PARASHAT Vezot HaBerakha – Dt 33, 1 – 34,12
Rabbi Dr. Tzvi Hersh Weinreb
Discovering the Human Element in the Weekly Torah Portion - New York: OUPRESS – Maggid, 2016, p. 618-621

 

PARASHAT Vezot HaBerakha

Um homem de Deus

Todos nós temos interesses durante a vida. Para alguns de nós, existem hobbies ou passatempos. Para outros, pode ser arte ou literatura. Meu interesse durante a vida tem sido filosofia, e mais especificamente, teologia.

Eu pergunto a você, caro leitor, a refletir quais interesses você tem tido durante a sua vida. Eu ainda pediria a você para tentar identificar qual tempo específico que este interesse começou a se desenvolver. Se foi na infância, ou adolescência, ou não até à idade adulta? E onde esses felizes interesses começaram a ocorrer? Numa sala de aula, numa livraria, ou talvez num parque de diversões?

Para mim, minha fascinação com os assuntos teológicos começou numa praia. Meus pais nos levavam todo ano para as férias de verão para a praia de Rockaway em Nova Iorque. Nós alugávamos alguns quartos numa grande casa que pertencia a um velho casal irlandês católico, Sr. e Sra. Fletcher. Depois de passar um ano inteiro num ambiente totalmente judaico, aqueles verões expunham para cada um de nós um retorno religioso muito diferente. Acreditem, era uma poderosa forma de aprendizado e de experiência em muitos modos.

Para mim, mas talvez não acontecia o mesmo para minhas irmãs, foi onde eu primeiro comecei a aprender, não apenas teologia, mas sobre teologia comparativa. Isso aconteceu quando eu conheci a neta da Sra. Fletcher, a Judite. Eu tinha então oito ou nove anos, e Judite talvez um ano ou dois menos do que eu. Nós tínhamos longas conversas, Judite e eu, e eram quase sempre sobre Deus e o tema da oração. Eu me lembro ainda do susto que levei quando eu entendi como Judite acreditava em Deus, certamente onde tinha aprendido na catequese paroquial da sua Igreja Católica. No simples discurso de uma criança de oito anos de idade, era claro que seu Deus era um homem de carne e sangue. Meu Deus era especificamente sem um corpo e sem semelhança alguma com um corpo.

Eu trouxe então minhas descobertas entre as diferenças entre meu Deus e o Deus de Judite para o professor que meus pais contratavam a cada verão para garantir que eu teria feito diariamente meus estudos da Torah. Ele me disse que eu tinha feito uma descoberta muito importante numa idade muito pequena, muito mais cedo que os outros meninos judeus. Ele me disse que eu tinha aprendido a diferença básica entre Judaísmo e Cristianismo. Aquela discussão com meu professor há tantos anos atrás lançou o grande interesse da minha vida sobre a natureza da crença judaica em Deus, e sobre as profundas diferenças entre aquela crença e a crença cristã.

O final da parasha da Torah como um todo, Vezot HaBerakha, na qual lemos em Simhat Torah, trazia sempre de volta as memórias daquele distante verão e da minha intensa experiência de aprendizado. Tudo isso por causa do versículo inicial desta parasha que diz: “Moisés, o homem de Deus, abençoou os Israelitas antes de morrer”.

Moisés, pela primeira vez no Pentateuco inteiro, é chamado “homem de Deus” (ish haElohim). Uma provocante questão surgia “Era ele um homem, ou era ele um Deus? Era ele diferente dos outros homens, talvez mais divino do que eles? Ele era de algum modo particular uma divindade?

Como fortemente nossos possíveis equívocos sobre Moisés eram dissipados pela outra metade do versículo da frase, “antes de morrer!” (Dt 33,1). Moisés era totalmente humano, ela era mortal, ele morreu, e como aprendemos na parasha, ele foi queimado. Exatamente aqui, encontramos a diferença essencial entre a fé judaica e a fé cristã. Existe um Deus, e para usar a linguagem teológica, Ele é incorporal, isto é, Ele não tem corpo e não tem forma física alguma. Ele é totalmente diferente de todas as Suas criações. Deus não é um homem e nenhum homem pode ser Deus.

A lição que se segue mencionada acima do princípio básico da fé judaica e de que o Judeu reza para Deus sozinho, e não reza para ser humano algum, vivo ou morto, por mais inspiradora que a vida dessa pessoa tenha sido. Não se reza para homens ou mulheres, e nem se reza igualmente para anjo algum. Não são necessários intermediários nas preces, mas se reza para Deus somente.

Também no processo de teshuvá – exame de consciência, confissão, e arrependimento – não é necessário mediações humanas. Deve-se refletir diante Dele, confessar diretamente a Deus, e arrepender-se e retornar para Ele. Como era diferente o processo de Teshuva daquela experiência da qual Judite me contou sobre o confessionário católico da sua Igreja. Ela dizia sobre como as pessoas contavam seus pecados para outra pessoa. Como era diferente minha experiência da infância da confissão (Vidui) antes do perdão de todos os pecados da parte de Deus que entendia e tolerava minhas falhas espirituais.

O final da parasha nos leva a uma lição semelhante. Moisés foi queimado numa caverna e “Até hoje ninguém sabe o local da sua sepultura” (Dt 34,6). Por que o local da sepultura de Moisés tinha que ficar oculto durante milênios? Moisés não merecia ter tido uma sepultura impressionante? Não deveria existir um monumento que pudéssemos visitar para prestar homenagem ao maior líder da nação judaica?

Foi sugerido certa vez que a razão pela qual o local da sepultura de Moisés tenha ficado escondida era justamente para o fato de não se poder ir lá para pagar um tributo. Se existisse tal lugar, facilmente o local onde teria sido queimado, se tornaria um lugar de adoração. Teria facilmente se tornado também um homem Deus.

No final do longo período sagrado, é imperativo que tenhamos em mente a lição básica da teologia que há tanto tempo atrás aprendi. No judaísmo todos os homens são mortais. Todos são corpo, carne e sangue, todos podem pecar, e todos estão sujeitos às deficiências humanas. Não podemos perder de vista essa lição básica:

Grande e louvado seja o Deus vivo
Ele existe, e sua existência está além do tempo.
Ele é um e não há unidade como a Sua.
Insondável, sua Unicidade é infinita.
Ele não tem forma nem substância corporal;
Sua santidade é incomparável.

Para aprofundar o estudo da Palavra, confira as seguintes citações
Sb 8,20; Ef 4,5; Fl 3,21; Jo 1, 1-4. 14
O que os textos bíblicos e o texto da Parashat nos mostram sobre a Palavra de Deus? Como se pode afinal encarnar a Palavra de Deus e fazê-la “corpo” na existência, no cotidiano?
Moisés era divino ou se deixou “divinizar” pela amizade com Deus? Justifique.
Que outras questões surgiram a partir da leitura desses textos? As perguntas que fazemos são mais importantes que as respostas que encontramos, pois nos levam adiante no entendimento das Sagradas Escrituras.