Selisberg

Introdução 
Conhecer a História do Diálogo Judaico-cristão após a 2ª Guerra Mundial até os dias de hoje.

Qual é o Ensinamento da Igreja sobre os Judeus após o Concílio Vaticano II (1962-1965)? Quais são os textos fundamentais a serem conhecidos para um correto e frutuoso conhecimento e diálogo entre judeus e cristãos [1].
Após o silêncio do mundo e do assassinato em massa de mais de 6 milhões de judeus da Europa, durante a segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), assassinato planejado e executado pelos nazistas com perfeição industrial, um exame de consciência foi e ainda tem sido feito sobre as reais causas para que um cenário bárbaro desse tipo tenha sido possível no Ocidente cristão.
Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), o lado cristão abordou o fenômeno do anti-semitismo na Conferência Internacional sobre a Emergência do anti-semitismo, que teve lugar de 30 de julho a 05 de agosto de 1947, em Seelisberg, na Suiça. Cerca de 65 pessoas, judeus e cristãos de várias denominações, reuniram-se para uma ampla discussão sobre como o anti-semitismo pode ser arrancado em suas raízes.
A Conferência de Seelisberg teve como objetivo estabelecer uma nova base para o diálogo entre judeus e cristãos e aumentar a compreensão mútua. Para acompanhar o desenvolvimento da posição que se cristalizou dentro da Igreja nos anos após a guerra, dois homens tiveram papel marcante na condenação do anti-semitismo pela Igreja:
Um deles é judeu – Jules Isaac (1877-1963), historiadior francês, foi o fundador do grupo chamado "Amitié Judeo-chretienne" (Amizade Judaico-Cristã), que se tornaria o modelo de muitas organizações desse tipo. Jules Isaac tomou parte ativa no encontro de Seelisberg, fornecendo bases históricas que levariam à revisão da atitude da Igreja para com o judaísmo.
O outro é católico, Augustin Bea (1881-1968), alemão nascido em Baden, que um dia iria tornar-se o reitor do Pontifício Instituto Bíblico e depois cardeal de Roma. Foi editor do periódico Bíblica (1930-1950), além de pertencer a uma dezena de organismos internacionais e um biblista de renome.
Após a guerra, baseando-se em seus estudos bíblicos e teológicos desafiou a imagem convencional do judeu e do judaísmo e lutou para que fosse corrigida a interpretação que coloca a culpa da crucificação sobre os judeus. O cristianismo se posicionou por meio do Vaticano e do Conselho Mundial de Igrejas, condenando o anti-semitismo.
Baseados nos estudos bíblicos deste século chegou-se a uma primeira formulação em 1947, em Paris, do programa de retificação do ensino cristão a respeito do anti-semitismo. São os chamados 10 Pontos de Seelisberg, fruto de um verdeiro diálogo judeu-cristão:

1. Deve ser relembrado que um só e mesmo Deus nos fala no Antigo e no Novo Testamento.
2. Não se pode esquecer que Jesus nasceu de mãe judia, pertencia à família de Davi e ao povo de Israel, e que seu amor eterno abrange o seu povo e o mundo inteiro.
3. Recorde-se ainda que os primeiros discípulos, os Apóstolos, e os primeiros mártires eram judeus.
4. Tenha-se presente que o principal mandamento do cristianismo, o amor de Deus e do próximo, anunciado no Antigo Testamento e confirmado por Jesus, obriga igualmente, cristãos e judeus, em todas as relações humanas.
5. Deve-se evitar diminuir o judaísmo bíblico e pós-bíblico para exaltar o cristianismo.
6. Não se deve empregar a palavra "judeu" para designar exclusivamente os inimigos de Jesus, e as palavras "inimigos de Jesus" para designar o povo judeu em seu conjunto.
7. Não se deve apresentar a Paixão de Jesus, como se todos os judeus, ou somente os judeus, tivessem incorrido na odiosidade da crucificação. Não foram todos os judeus que pediram a morte de Jesus, nem foram somente judeus que se responsabilizaram por ela. A Cruz, que salva a humanidade, revela que Cristo morreu pelos pecados de todos. Pais e mestres cristãos deveriam ser alertados a respeito de sua grande responsabilidade na maneira de narrar os sofrimentos de Jesus. Se o fazem de uma forma superficial, correm o risco de fomentar aversões no coração das crianças ou dos ouvintes. Numa mente simples, movida de um ardente amor compassivo pelo Salvador crucificado, o horror natural dos perseguidores de Jesus pode facilmente tornar-se, por motivos psicológicos, ódio indiscriminado pelo judeu de todos os tempos, inclusive nos nossos dias.
8. Não se devem evocar as condenações bíblicas e o grito da multidão enraivecida: "Que seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos" (Mt 27,25) sem relembrar que esse grito não anulou as palavras de nosso Senhor, de conseqüências incomparavelmente maiores: "Pai, perdoa-lhes; eles não sabem o que fazem" (Lc 23,24).
9. É preciso evitar qualquer tentativa de mostrar os judeus como um povo reprovado, amaldiçoado e votado a um sofrimento perpétuo.
10. Deve ser mencionado que os primeiros membros da Igreja eram judeus.
Os que se reuniram em Seelisberg não podiam ainda imaginar que, com o correr dos anos, o Vaticano tomaria uma posição oficial frente ao anti-semitismo. Baseada nos eventos da Segunda Guerra Mundial, nos estudos históricos, bíblicos e teológicos, a Igreja preparou-se para um pronunciamento oficial.


 [1] Os principais pontos aqui apresentados são fruto do Guia para o diálogo Católico-Judaico no Brasil, Estudos da CNBB – 46 – 1986 e do Discurso do Cardeal Kurt Koch, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e presidente da Comissão da Santa Sé para as Relações Religiosas com o Judaísmo (Palestra realizada em 16 de maio de 2012, na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino - Angelicum - em cooperação com o Centro João Paulo II para o Diálogo Inter religioso, liderada pelo Rabino Jack Bemporad.