CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS - Estudo da Parasha da Semana

– Cristãos estudando as fontes judaicas Aharei Mot  – Lv 16,1 – 18,30 –

WEINREB, Rabbi Tzvi Hersh. The Person in the Parasha. New York: OU Press, 2016, p. 329-332.

 

aharei mot

Sem Saída

Há muito tempo que a Torah deixa espaço para nossa reflexão. Estudantes regulares do estudo semanal da parasha se tornam convencidos que as narrativas que eles lêem a cada semana foram deliberadamente abreviadas, como que para nos encorajar a preencher as conexões que faltam por nossa própria conta.

Um excelente exemplon disso ocorre com a narrativa incompleta sobre a história da morte de Nadab e Abiú, os filhos de Aarão o Sumo Sacerdote. Algumas semanas atrás na Parasha Shemini (Lv 10,1-7), lemos sobre a repentina morte deles. No seu ansioso entusiasmo para se aproximarem do Todo-Poderoso, eles trouxeram um “fogo desconhecido” para o altar, um procedimento ritual que eles inventaram por conta própria e que não havia sido ordenado a eles para o fazerem. Por isso, eles foram instantaneamente atacados e consumidos por um fogo dos céus.

Esse terrível acontecimento ocorreu no dia tão importante da inaguração do Santo Tabernáculo. E isso aconteceu na presença de uma multidão de celebrantes. Podemos presumir que havia no mínimo alguma testemunha ocular ao acontecimento, e podemos ter a certeza que muitos ouviram falar sobre isso dentro de poucos minutos. Mas não sabemos quase nada sobre as reações daqueles que constaram que dois príncipes de Israel, dois jovens homens que estavam próximos do Altíssimo Sacerdócio, líderes potenciais da Nação Judaica, foram executados, carbonizados, por um ato de Deus.

É natural para a maior parte de nós nos solidarizarmos imediatamente com o pai e a mãe desses jovens malfadados. O que sentiram afinal quando souberam sobre essa inexplicável perda? Mas nada sabemos pelo texto e somente podemos imaginar a reação deles. Tudo o que nos é contado é: “E Aarão ficou calado”. O silêncio de Aarão nos deixa em silêncio, perdidos na instrospecção, perguntando a nós mesmos como reagiríamos com essas notícias de pesadelo.

Na parasha Aharei Mot (Lv 16,1 – 18,30), sabemos um pouco mais sobre a história. O parágrafo inicial da parasha começa assim: “Depois da morte dos dois filhos de Aarão...” Essas palavras nos encoraja a acreditar que o suspense tenha sido preenchido e que agora iremos saber sobre o resto da história. Somos provocados a supor que iremos descobrir a natureza das emoções que estavam enterradas no silêncio de Aarão.

Mas ai de nós! Ficamos desapontados. No lugar de vislumbrar a alma atormentada de Aarão, somos ensinados em detalhes elaborados do seu inteiro ritual prescrito. Lemos sobre os procedimentos no Templo que ele deve conduzir no Dia Santo da Expiação, Yom Kippur. Nós logo descobrimos, para nossa surpresa e desalento, que Aarão precisa repetir o comportamento dos seus filhos, o mesmo comportamento pelo qual eles foram assustadoramente punidos. Eles perderam as suas vidas porque sonharam em aproximar-se demais diante do Divino, e agora a Aarão seu pai é ordenado que se aproxime mais ainda do Altíssimo. De fato, ele é convocado para entrar na seção mais sagrada que seus filhos não ousaram colocar os pés ali.

Concedido a ele de entrar no espaço sagrado num momento específico do ano inteiro, e somente após muitos procedimentos preparatórios. Mas, no entanto, o objetivo desse grande preceito e privilégio de Aarão, aproximar-se tanto quanto fosse possível do Altíssimo, era o mesmo idêntico objetivo que seus filhos desesperadamente lutaram por fazer, e pelo qual eles tinham sido punidos de forma catastrófica.

Nós podemos facilmente supor e imaginar como Aarão, no ato verdadeiro da entrada do Santo dos Santos, estava oprimido pelo desgosto, assombrado com a imagem de que seus filhos foram cortados no auge das suas vidas enquanto realizavam o mesmo ato que ele tinha sido ordenado a realizar!

De que forma, contudo, foi a entrada de Aarão no mais íntimo santuário fundamentalmente diferente da tentativa de Nadab e Abiú em aproximar-se dAquele que é mais sagrado do que tudo? A resposta está numa cuidadosa leitura do resto do capítulo de abertura da nossa parasha. Lá aprendemos que Aarão não foi somente instruído para entrar diante do Santo dos Santos; também ele foi instruído para deixar o espaço sagrado. Usando um jargão moderno, foi dado a ele como realizar uma saída estratégica.

Acrescentar uma saída estratégica numa intensa e sublime experiência religiosa é um dos segredos de uma autêntica espiritualidade. Mais especificamentw ainda, a saída estratégica é intrínseca à experiência do Yom Kippur. Aarão foi instruído para entrar na intimidade do santuário, sim. Mas também a ele foi instruído como se afastar para um mundo, em geral, muito menos sagrado. Normalmente, entramos em Yom Kippur numa atitude de remorso e solenidade. Mas deixamos Yom Kippur confiantes que nossos pecados foram perdoados e que podemos agora avançar adiante para os próximos dias felizes de Sukkot.

Nadab e Abiú, por outro lado, entraram num beco “sem saída”. A lição é clara: êxtase espiritual é maravilhoso, mas não pode nunca ser um fim em si mesmo. Deve ser sempre um meio para um fim, uma oportunidade para tornar-se inspirador e com o propósito de trazer inspiração de volta a um mundo profano e imperfeito.

Esse foi o exemplo que Moisés ensinou quando ele entrou num reino ainda mais sagrado do que o Santo dos Santos. Ele subiu ao ponto mais alto do Monte Sinai, e ainda mais para cima nos altíssimos céus, para o reino dos anjos, e o lugar do divino trono da glória. Mas ele nunca perdeu de vista seu objetivo de retornar para seu povo com a mensagem recebida do alto. Sua intenção sempre foi descer, para finalmente se reunir com as pessoas que procuravam lidar com os problemas cotidianos comuns da existência.

Esta é também a mensagem central de Yom Kippur. É um dia de expiação e arrependimento, de introspecção e reverência. Esse é um dia semelhante ao dos anjos, isento das necessidades físicas da bebida e da comida do corpo humano. Mas o climax do Yom Kippur deve ser a imagem deixada para nós por Aarão e os posteriores sumo-sacerdotes. A imagem é descrita pelos sábios de Israel como “o dia sagrado das festividades que o Sumo Sacerdote celebrou quando ele saiu do Santo dos Santos”. A saída estratégica de Yom Kippur é uma festiva e alegre refeição, um retorno para a realidade, uma reconexão com o ordinário, com o vulnerável, com o humano.

Nossa religião tem suas sérias, mesmo sombrias ocasiões; conhecemos bem os dias de auto-exames, e longos períodos de tempos dedicados aos remorsos e auto-críticas. Conhecemos bem os dias, meses, e mesmo anos de tristeza e luto. Mas para tudo isso, nossa religião prescreve saídas estratégicas: perdão para o pecador, retorno para o filho rebelde e consolo para o enlutado.

Nadab e Abiú foram culpados de um erro verdadeiramente fatal. Eles desejaram entrar num estado espiritual de não retorno. Nossa religião nos ensina que a espiritualidade nunca deve ser uma condição “sem saída”. A autêntica experiência espiritual deve ser projetado para culminar com o retorno ao mundo real, com música para aqueles que antes estavam tristes e palavras para aqueles que foram destroçados pelo silêncio.

Para avançar na reflexão e na teologia da continuidade das Sagradas Escrituras

  1. 2Sm 22,13; Lc 12,49; Lc 9, 33-37 – Confira as citações bíblicas propostas e procure relacionar com o objetivo da experiência religiosa proposta em Yom Kippur nesta parasha.