Papa Bento XVI na Sinagoga em Roma em 2010

Para a comunidade judaica, uma das realizações mais importantes de Bento XVI tem sido a de isentar os judeus da responsabilidade pela morte de Jesus. Em um livro seu publicado em 2011, “Jesus de Nazaré”, o Papa escreveu que "a aristocracia do templo" em Jerusalém e as "massas" - e não "o povo judeu como um todo" - foram os responsáveis pela crucificação de Cristo.

O Congresso Judaico Mundial, disse em um comunicado que o Papa Bento XVI "elevou as relações entre católicos e judeus a um nível sem precedentes". "Nenhum papa antes dele visitou tantas sinagogas. Ele reuniu-se com representantes da comunidade judaica, sempre que viajava ao exterior. Nenhum papa antes dele tinha realizado tanto esforço para melhorar as relações com os judeus, em diversos níveis", saudou o texto.

A seguir, algumas idéias principais do profundo conteúdo teológico e bíblico do discurso que o Papa Bento XVI dirigiu à comunidade judaica de Roma, durante sua visita à Grande Sinagoga.[1]

“Agradeço a Deus por nos ter dado a graça de nos encontrarmos tornando mais firmes os laços que nos unem e para continuar a percorrer o caminho da reconciliação e da fraternidade. 24 anos atrás veio como cristão e como Papa pela primeira vez o venerável João Paulo II que quis oferecer uma contribuição decisiva à consolidação das boas relações entre as nossas comunidades, para superar toda incompreensão e prejuízo.

Esta minha visita se insere no caminho traçado, para confirmá-lo e reforçá-lo. Com sentimentos de viva cordialidade me encontro em meio a vocês para manifestar minha estima e afeto que o Bispo e a Igreja de Roma, assim como a inteira Igreja Católica, nutrem por esta Comunidade e com as Comunidades judaicas espalhadas pelo mundo.

A doutrina do Concílio Vaticano II representou para os católicos um ponto decisivo de referência constante na atitude e nas relações com o povo judeu, abrindo uma nova e significativa etapa. O evento conciliar deu um impulso decisivo ao compromisso de percorrer um caminho irrevogável de diálogo, de fraternidade e de amizade, caminho que se aprofundou e desenvolveu nestes quarenta anos com passos e gestos importantes e significativos.

Também eu, nestes anos de pontificado, quis demonstrar minha proximidade e meu afeto ao povo da Aliança. Conservo bem vivos em meu coração todos os momentos da peregrinação que tive a alegria de realizar na Terra Santa, em maio do ano passado, como ainda os vários encontros com Comunidades e Organizações judaicas, em particular os das sinagogas de Colônia e de Nova Iorque.

Além disso, a Igreja não deixou de condenar as faltas de seus filhos e filhas, pedindo perdão por tudo que pode favorecer de algum modo as chagas do anti-semitismo e do anti-judaísmo (cfr. Comissão para as Relações Religiosas com o Judaísmo, Nós Recordamos: uma reflexão sobre a Shoah, 16 de março de 1998). Possam essas chagas sararem definitivamente!

Volta sempre à memória a oração de pesar no Muro do Templo de Jerusalém do papa João Paulo II, em 26 de março de 2000, que soa verdadeira e sincera no profundo de nosso coração: “Deus de nossos pais, tu escolheste Abraão e a sua descendência para que teu Nome seja levado aos povos: estamos profundamente aflitos pelo comportamento dos que, no curso da história, lhes fizeram sofrer, eles que são teus filhos, e pedindo-Te perdão por isto, queremos comprometer-nos a viver uma fraternidade autêntica com o povo da Aliança”.

A nossa proximidade e fraternidade espiritual acham na Sagrada Bíblia – em hebraico Sifre Qodesh ou “Livros da Santidade” – o fundamento mais sólido e perene, no qual nos colocamos constantemente diante de nossas raízes comuns, à história e ao rico patrimônio espiritual que partilhamos. É perscrutando o seu próprio mistério que a Igreja, Povo de Deus da Nova Aliança, descobre a sua profunda ligação com os judeus, escolhidos pelo Senhor primeiramente entre todos para acolher sua palavra.[2]

Numerosas podem ser as implicações que derivam da comum herança que vem da Lei e dos Profetas. Gostaria de recordar algumas: primeiramente, a solidariedade que liga a Igreja e o povo judeu “pela própria identidade” espiritual e que oferece aos cristãos a oportunidade de promover “um renovado respeito pela interpretação hebraica do Antigo Testamento” (cfr. Pontifica Comissão Bíblica, O povo judeu e suas Sagradas Escrituras na Bíblia cristã, 2001, pp. 12 e 55); a centralidade do Decálogo como mensagem ética comum de valor perene para Israel, a Igreja, os que não crêem e a humanidade inteira; o compromisso por preparar e realizar o Reino do Altíssimo no “cuidado da criação” confiado por Deus ao homem para que a cultive e mantenha responsavelmente (cfr. Gn 2,15).
Em particular o Decálogo – as "Dez Palavras" ou Dez Mandamentos (cf. Ex 20, 1-17; Dt 5, 1-21) – que provém da Torah de Moisés, constitui a chama da ética, da esperança e do diálogo, estrela polar da fé e da moral do povo de Deus, e ilumina e guia também o caminho dos cristãos.

Ele constitui um farol e uma norma de vida na justiça e no amor, um "grande código" ético para toda a humanidade. As "Dez Palavras" jogam luz sobre o bem e sobre o mal, sobre o verdadeiro e o falso, sobre o justo e o injusto, também segundo os critérios da consciência reta de cada pessoa humana. Jesus muitas vezes o repetiu várias vezes, sublinhando que é necessário um compromisso operoso sobre o caminho dos Mandamentos: "Se queres entrar na vida, observa os Mandamentos" (Mt 19,17).

Nesta perspectiva, são vários os campos de colaboração e de testemunho. Gostaria de recordar três particularmente importantes para o nosso tempo.
As "Dez Palavras" pedem para recordar o único Senhor, contra a tentação de se construir outros ídolos, de se fazer bois de ouro. Em nosso mundo muitos não conhecem Deus ou o consideram supérfluo, sem importância para a vida; foram fabricados assim outros e novos deuses diante dos quais os homens se inclinam. Despertar em nossa sociedade a abertura da dimensão transcendente, testemunhar o único Deus é um serviço precioso que Judeus e Cristãos podem oferecer juntos.

As "Dez Palavras" pedem respeito, a proteção da vida contra injustiça e exploração, reconhecendo o valor de toda pessoa humana, criada segundo a imagem e semelhança de Deus. Quantas vezes, em toda parte da terra, próxima ou distante, são ainda violados a dignidade, a liberdade, os direitos do ser humano! Testemunhar juntos o valor supremo da vida contra todo egoísmo, é oferecer uma importante contribuição ao mundo no qual reine a justiça e a paz, o "shalom" desejado pelos legisladores, pelos profetas e pelos sábios de Israel.

"As "Dez Palavras" pedem para conservar e promover a santidade da família, onde o "sim" pessoal e recíproco, fiel e definitivo do homem e da mulher, abre o espaço para o futuro, para a autêntica humanidade de cada um, e se abre, ao mesmo tempo, ao dom de uma nova vida.

Testemunhar que a família continua sendo a célula essencial da sociedade e o contexto de base onde se aprende e se exercita as virtudes humanas é um precioso serviço a ser oferecido para a construção de um mundo que tenha um rosto mais humano.

Como ensina Moisés na oração do Shemá – Ouve, Israel – (cf. Dt 6,5; Lv 19, 34) e Jesus confirma no Evangelho (cf. Mc 12, 19-31) todos os mandamentos se resumem no amor de Deus e na misericórdia para com o próximo. Tais regras empenham os judeus e os cristãos a se exercitarem, em nosso tempo, numa generosidade especial para com próximo, com as mulheres, com as crianças, com os estrangeiros, com os doentes, com os fracos, com os necessitados. Na tradição hebraica existe um admirável tratado chamado “Dito dos Pais de Israel”: “Simão o Justo costumava dizer: O mundo se fundamenta sobre três coisas: a Torah, o culto e os atos de misericórdia” (Abot 1,2).

Com o exercício da justiça e da misericórdia, Judeus e Cristãos são chamados a anunciar e a testemunhar o Reino do Altíssimo que vem, e pelo qual rezamos e trabalhamos cada dia com esperança.

Neste sentido podemos dar passos juntos, conscientes das diferenças que existem entre nós, mas também do fato que conseguiremos unir nossos corações e nossas mãos para responder à chamada do Senhor, sua luz se fará mais próxima para iluminar todos os povos da terra.

Os passos realizados nestes quarenta anos da Comissão Internacional católico-judaica e, nos anos mais recentes, pela Comissão Mista da Santa Sé e do Grande Rabinato de Israel, são um sinal da vontade comum de continuar um diálogo aberto e sincero”.