92 – Os Ritos de Passagem: A Circuncisão

Os ritos de passagem a Circuncisao

Esta operação, cujo nome técnico é ablação (retirada) do prepúcio, faz a memória judaica de Abraão: "Deus disse a Abraão: essa é a minha aliança que devereis observar, aliança entre Mim e vós e tua descendência futura: todo varão entre vós deverá ser circuncidado" (Gn 17, 10).

A circuncisão é uma aliança (berith milá) entre Deus e os descendentes do Patriarca. A noção de aliança é fundamental na Bíblia, ela implica um envolvimento mútuo entre os dois parceiros: Deus oferece a vida e a lei, o ser humano completa o mundo nele introduzindo a ordem moral revelada pelo Criador. O que um realiza não pode ser realizado pelo outro. É por isso que em hebraico não se fala em "contrair uma aliança", mas "dar um espaço de aliança entre", colocando em destaque sobre a contribuição específica de cada ator. Portanto, tudo aquilo que Deus criou pode levar a marca do acabamento humano[1].

Nesta lógica, a circuncisão constitui um acabamento do corpo e o sinal indefectível da ligação do fiel monoteísta a Deus. Não se trata, portanto, do aspecto médico ou higiênico que se procura dar um sentido a essa prática, mas muito mais o encontramos no plano espiritual. Ao aceitar para si e sua descendência a berith milá, o Patriarca coloca a palavra divina sobre sua sexualidade. Abrão se tornou desta forma, Abraão e Sarai, Sarah. Eles não são mais filhos de seus pais, mas renascem num amor que entre eles será ocupado pela palavra divina. A sexualidade não se traduz mais como angústia de viver, num curso desenfreado de uma alegria egocêntrica, como o era na casa do faraó do Egito, mas deve ser uma elevação, encontro e plenitude. Se na opinião de alguns embriologistas que afirmam que o prepúcio é o restante do membro animal, então a berith milá verdadeiramente humaniza o homem. Nesse sentido, a circuncisão da carne remete à circuncisão do coração, já anunciada pelo profeta Jeremias (Jr 4,4): "Circuncidai-vos para o Senhor, retirai o prepúcio do coração".

Mas a circuncisão também diz respeito ao futuro. Em geral, quando um fiel cumpre um ato religioso, ele não o faz por si mesmo, mas pela por causa do seu nascimento na comunidade. De fato, a circuncisão diz respeito a três gerações, pois ao introduzir seu filho na Aliança de Abraão, o pai aceita retroativamente o ato cumprido pelo seu próprio genitor. E o que sofreu a circuncisão é aceito a posteriori pelo seu ato de fé. Se a Aliança do arco-íris no céu compromete o Criador a não mais afogar a humanidade (Gn 9,11-19), a circuncisão compromete o ser humano face a face diante do Criador a aceitar a Sua mensagem. Se o arco no céu é visível a todos, convidando os homens a amar a paz na harmonia das cores, a circuncisão na sua própria discrição, introduz a dimensão do esforço moral e religioso.

Na prática a circuncisão ocorre no oitavo dia após o nascimento do menino, mesmo se esse dia for um sábado. O mohel ou o que realiza a circuncisão, não precisa ser médico, pois ele conhece perfeitamente a prática. Essa breve operação é feita dentro das máximas condições de higiene. Mas se a saúde do menino for muito frágil, se seu peso ainda é inferior a três quilos, essa ablação será adiada. "A lei judaica prescreve cautela e adiamento"[2]. Durante a cerimônia o menino recebe seu nome hebraico, aquele de um personagem bíblico ou de um avô, traduzindo uma maneira de inscrever a criança numa memória coletiva. A cerimônia termina com uma bênção sobre uma taça de vinho e uma refeição onde a família e os pobres são convidados.


[1] Cf. Haddad, Philippe. Pour expliquer le judaïsme a mes amis. Paris: Éditions In Press, 2013, p. 157.
[2] Halevy Donin, Rabino Haym. O ser Judeu. Guia para a observância judaica na vida contemporânea. São Paulo: Sefer, 1985, p.292.