88 – A "Dieta Ética" revelada

A Dieta Etica do Sinai

A saída do Egito foi também marcada com ritos alimentares: o consumo de um cordeiro pascal, do pão ázimo e das ervas amargas. Quando, no Egito, os jovens meninos hebreus foram sacrificados e eles foram "engolidos" pelo Rio Nilo, a libertação de Israel implicará uma inversão de valores, será o cordeiro que será sacrificado e engolido, para que o ser humano viva.

Se o sacrifício pascal não pôde ser mantido por causa da destruição do Templo, o pão ázimo é sempre consumido. Qual o sentido de oferecer esse "pão da miséria"? A preparação do pão requer fermento. Então, esse fermento é o resultado de uma fermentação de uma massa do dia anterior. Filosoficamente falando, não existe pão sem uma memória. Para sair do Egito, Israel teve que provar de um pão sem traço algum do inferno do "campo de concentração" egípcio! Israel inaugurou a sua nova forma de sociedade recomeçando a comer. Quanto às ervas amargas, elas lembravam a amargura original e obrigam o Hebreu a amar o estrangeiro – "porque vocês conheceram a alma de estrangeiros".

Após a revelação do Sinai, Deus oferece outras leis alimentares como as categorias de animais permitidos. Essas injunções se encontram mencionadas no capítulo 6 do Livro do Levítico e são repetidas no capítulo 14 do Livro do Deuteronômio. Então, entre os animais terrestres, somente os que ruminam e tenham os cascos fendidos estão autorizados (isso exclui, portanto, os animais sem algum sinal, ou mesmo aqueles que não possuem cascos fendidos como o camelo, um pequeno roedor gerbo ou a lebre que não tem cascos fendidos, ou o porco, que não rumina). Entre os animais marinhos, somente são autorizados os peixes com escamas e nadadeiras (isso exclui os peixes com a pele lisa e os crustáceos). No que se refere aos pássaros, a Torah cita vinte e quatro espécies proibidas, o que se subentende que as outras seriam lícitas, em geral um judeu piedoso consome somente as aves de celeiro.

Que sentido têm esses sinais? Alguns afirmam que se referem à higiene, como o é para a circuncisão. Se parece evidente que Deus oferece leis boas para a saúde, pode-se simplesmente se reduzir então o Pentateuco a uma obra de medicina? É preciso procurar o motivo em outro lugar. Na verdade, a resposta não é clara, pois a Torah apresenta essas regras como um decreto divino, um hok, que começa sempre pela fórmula: "Esse é o animal que vocês comerão, entre todos os animais da terra". Em outras palavras, trata-se de uma lei religiosa por excelência que implica uma submissão livre do fiel à vontade do Legislador. É nesse registro que é preciso compreender a justificativa dessa disciplina de vida: "Pois Eu sou o Eterno Deus que vos fiz subir do país do Egito, para ser vosso Deus, e vós sereis santos, porque Eu sou santo" (Lv 11,45).

O ato fundador da saída do Egito estabeleceu uma relação, uma Aliança, entre Deus e Israel. Da mesma forma que Deus é santo, isto quer dizer, separado e transcendente, também a coletividade de Israel é convidada a seguir o caminho da santidade, transcendendo também a sua natureza egoísta, praticando o bem. Nesta mesma lógica, o Hebreu consome somente aquilo que apresenta Deus, ele coloca a transcendência entre ele e  sua alimentação. Comer se torna então uma "dieta ética".