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37 – As Comunidades na Europa do Leste

Apesar da segregação e dos massacres, a comunidade judaica teve que se organizar e sobreviver. A kahal ou kehila "a assembléia", termo sempre usado, designava a estrutura comunitária. Por necessidade às vezes existencial e religiosa, os judeus foram obrigados a se reunir. Dez era o número mínimo de adultos necessários para completar o "quorum" da oração (myniam), recitar algumas passagens litúrgicas ou para retirarem o rolo da Torah para uma leitura pública. Dez homens, mais as esposas, as crianças constituíam um pequeno núcleo comunitário, mas é claro, podiam ser em maior número também. A kahal, estando sob a autoridade do rabino e dos homens notáveis, se encarregava do cuidado das pessoas e das famílias, do nascimento até à morte, a circuncisão, a celebração da maioridade religiosa, o casamento, a perda. Havia um imposto calculado em base da renda de cada um para pagar ao senhor do feudo e para ajudar os mais pobres, inclusive os mais pobres da terra de Israel. O tribunal rabínico (Beth din) exercia a justiça em matéria religiosa e civil, e podia pronunciar os seus decretos (no século XI, o decreto do rabino Guershon de Worms proibindo a poligamia, e que se tornou famoso), e podia excluir da comunidade até os mais recalcitrantes dos seus membros.

Entre as escolas talmúdicas mais célebres da época, citamos aquela da região de Champagne na França de rabbi Salomão Itshaki, chamado Rashi (1040-1105) que comentou a Bíblia e o Talmud. Sua obra foi continuada pelos seus discípulos e netos, os Tossafistas, ou "Acrescentadores" que desenvolveram no norte da França, nos séculos XII e XIII, as exegeses do Talmud de uma grande riqueza.

A Europa Oriental e notadamente a Polônia, acolheu os judeus que fugiram das Cruzadas a partir do século XIII. Como sempre essa acolhida escondia os interesses econômicos, mas os judeus estavam mais felizes de poder fugir do inferno e de ser recebidos do que fazer exigências naquelas horas. Lá, eles se tornaram comerciantes, negociantes e agricultores em geral.

No século XVI, eles já somavam 150 000 almas. A cultura ashkenazi local desenvolveu seu próprio sistema educativo, social e religioso. Submetidos sempre às leis mais ou menos exigentes em função dos governantes e do clero, a sua sorte parecia ser bem melhor se comparada a seus irmãos e irmãs da Europa Ocidental, embora a divisão da Polônia no século XVIII obrigou as comunidades mais orientais a se submeter a restrições até então desconhecidas por eles.

Sob a autoridade do Czar Alexandre I, o novo soberano russo, seus privilégios sociais, econômicos e políticos foram diminuindo, até serem reduzidos a nada com o seu sucessor Nicolau I. Foi nesse tempo de sofrimento moral e físico que se desenvolveu o Hassidismo[1]. Esse movimento popular de inspiração mística trouxe um pouco de calor e de esperança nas comunidades que tinham mergulhado numa profunda decepção. Seu fundador, rabbi Israel Baal Chem Tov "o mestre do bom nome" (1700-1760), ensinou a alegria, a dança, a confiança em Deus. Na sua morte, ele deixou numerosos discípulos, cada um formando sua própria escola de pensamento.

O Hassidismo ainda existe hoje em Israel, nos Estados Unidos e na França, seu aspecto mais visível  é a vestimenta preta, que era a roupa tradicional dos Poloneses e dos Russos no século XVIII. Ele destaca a oração, a alegria do serviço de Deus e gira em torno de um mestre carismático: o Rebbe.

Naquela época o número de judeus no mundo era estimado em torno de 2 250 000, cujo numero em terras cristãs era de 1 750 000. Até a Revolução de 1917, a vida judaica na Rússia foi marcada por medidas restritivas, um antissemitismo de Estado e dos Pogroms (destruição de vilas judias). Esses massacres incentivaram os movimentos de subida em direção à Palestina (Alya) e a criação das primeiras colônias na metade do século XIX.


[1] Esse movimento popular de renovação religiosa era formado por pequenos grupos de místicos particularmente atentos às exigências da vida religiosa que procuravam o ideal da hasidout (santidade). Produziu imensa literatura de caráter hagiográfico e didático. Cf. Wigoder, Geoffrey. Dictionnaire Encyclopédique du Judaïsme.  Paris: Cerf, 2008, p. 436-439.