SOUKKOT, DA LUA NOVA À LUA CHEIA – Adin Steinsaltz[1]

A Festa de Soukkot[2] acontece após os “dias terríveis”, os dez dias de techouva entre Rosh HaShana e Yom Kippour. Passa-se de uma esfera bem definida e delimitada para um mundo que rompe as barreiras. Esses “dias terríveis” são de fato associados ao julgamento, ao perdão e à expiação: eles se encontram dentro das fronteiras e de critérios bem definidos. Em Soukkot ao contrário, tudo se abre; não é ao acaso que se define essa festa como os tempos de nossa alegria: é justamente próprio dessa festa ultrapassar todas as fronteiras e inibições.

Segundo alguns comentaristas, um versículo da Bíblia faz referência a esse ciclo: “Sua esquerda sustenta-me a cabeça e sua direita me enlaça!” (Ct 8,3). “Seu braço esquerdo sustenta minha cabeça” se referem aos dias terríveis, Rosh HaShana e Yom Kippour e “sua direita me enlaça” à Festa de Soukkot. À esquerda, na Cabala, representa a sefirá de guevoura[3] , o atributo do rigor, da contração e reflete o temor do julgamento onde tudo é pesado e definido. À direita está associada à sefirá de hessed, a bondade, a capacidade de oferecer, e ela evoca o relaxamento do sistema, o convite ao abraço e à aproximação, simbolizados pela Festa das Cabanas, toda carinhosa. E isso se encontra até mesmo presente nas leis da Soukká. O Talmud (Soucca 6b) menciona de fato que essa soukka deve ser construída com no mínimo de três lados. Essa disposição de três lados lembra as duas partes do braço e a palma da mão abraçando uma pessoa. Como se a Soukka fosse uma maneira através da qual Deus nos aperta em seus braços, como num abraço...

O movimento que corresponde ao atributo de Hesed acontece do centro para fora, como a alegria que nos conduz para sair da situação em que nos encontramos fechados e a ampliar todo nosso campo. Cada dia da festa de Soukkot se recita o Hallel, um conjunto de salmos onde se exclama de modo particular: “Das profundezas da minha angústia clamei ao SENHOR: Ele me respondeu com largueza” (Sl 117,5). O termo de “angústia” que em hebreu se assemelha ao termo “limite (aperto), faz eco ao atributo do rigor, num situação bem definida; o outro termo de “largueza” reflete ao contrário o sentimento de alegria quando nos libertamos da angústia.

O ciclo das Festas de Tishrei constitui esse processo que nos faz primeiro penetrar no coração dos limites estreitos e da angústia para depois sair. Rosh HaShana é um dia austero onde o mundo é julgado, e para o qual se deve preparar. Kippour define-se como uma transição, através da purificação e do perdão, quando se anuncia uma nova partida; contudo, é ainda um dia de introspecção e de seriedade. Com Soukkot vem o tempo da libertação e da conclusão, da passagem do que é estreito para a largueza, das barreiras da justiça em direção ao terreno aberto da graça e da misericórdia. Tudo o que estava escondido em Rosh HaShana e em Kippour se revela por fim em Soukkot[4].

A alegria que reina em Soukkot se mistura com as palavras do profeta: “Com alegria tirareis água das fontes da salvação” (Is 12,3). O termo utilizado em hebraico, sasson, reflete uma alegria interior, mais profunda que qualquer outra alegria habitual, que, durante a Festa das Cabanas, se recusa a permanecer nas profundezas do ser: como uma centelha de pensamento, ela jorra para o exterior, para se revelar a todos, como uma fonte de águas vivas.

soukkot

É por isso que Soukkot evoca também a “Tenda da Tua Paz” quando todas as fronteiras serão rompidas, quando a existência caminha em direção a sua unificação, quando Israel e todos os povos da Terra vierem celebrar a Festa no Templo de Jerusalém (Zacarias 14,16). Mesmo as águas de baixo são associadas aos sacrifícios sobre o altar, através das cerimônias de libação. É quando a Criação toda inteira se alegra pela sua libertação.

Na época do Templo essa Festa Agrícola era a ocasião para o povo expressar sua alegria em vista da colheita. Sem água, sem colheita. Tirava-se portanto, água da piscina de Siloé e se subia em procissão solene até ao altar do Templo em torno do qual era espalhada.
Para essa Festa Agrícola a tradição acrescentou um significado histórico e religioso: os quarenta anos passados pelos filhos de Israel no deserto entre a terra da servidão e a Terra Prometida “de onde mana leite e mel” (Ex 3,8). A memória dessa travessia sob a única Providência de Deus, constitui outro motivo de alegria: e esse é o sentido, até os dias de hoje, da celebração de Soukkot. A Festa por excelência, também assim chamada no Novo Testamento (Jo 7,1-10). A Festa dura sete dias e termina no oitavo dia, em direção ao encontro com Deus, para sempre sob sua providência inteira. O oitava dia da festa é chamada de Simcha Torah, a alegria da Torah. Para demonstrar seu entusiasmo para com esse dom de Deus, dedica-se danças e cantos ao redor dos rolos da Torah trazidos em procissão.


[1] Introduction à l’Esprit des Fêtes Juives. Paris: Éditions Albin Michel, 2011, p. 77-80).
[2] A festa das Cabanas no mês de Tishrei (setembro ou outubro). Existe uma obrigação de morar (comer, dormir) durante sete dias numa soukka (plural: soukkot), uma cabana cuja principal característica é ter um teto de folhagem.
[3] Existem dez sefirot, tipos de forças fundamentais que sustentam a manifestação divina e que forjam a alma, três de natureza intelectual e sete ligadas às emoções. Cf. Adin Steinsaltz. A Rosa de treze pétalas. Capítulo sobre a alma, Albin Michel, 2002.
[4] Segundo um versículo do Salmo 81,4 que faz referência ao ciclo das Festas de Rosh HaShana até Soukkot: “Fazei ressoar um Shofar na lua nova, no dia fixado para nossas festas”. O sentido habitual de “um dia fixado para nossas festas” se relaciona com Rosh HaShana, a lua nova. O termo utilizado para “fixado” é, em hebraico, bakassé, que significa também “velado”. Se colocamos a vírgula logo após, podemos ler o versículo da seguinte maneira: “Fazei soar um Shofar na lua nova, no momento onde a lua está velada, em direção à lua cheia, quando acontece a Festa de Soukkot”.